Afeto, amor e gratidão compõem o especial "Cartas de Presente"

O Diário do Nordeste lança uma série especial em que pessoas - em contextos diversos - se utilizam de cartas para revelar sentimentos e histórias. Hoje, o material fala sobre a gratidão de quem "nasceu de novo" pela doação de órgãos

Escrito por Renato Bezerra , renato.bezerra@svm.com.br
Legenda: Na carta escrita por Nielsen de Alencar, ele expressa o desejo de conhecer a família do seu doador.
Foto: FOTO: THIAGO GADELHA

Escrever, para muitos, é mais fácil do que falar. Nessa perspectiva, o que você diria a uma pessoa especial se tivesse a chance de colocar isso no papel? O Diário do Nordeste apresenta o especial "Cartas de Presente", uma série de cinco reportagens em que pessoas, com histórias, contextos, e em perspectivas diferentes, expressam seus sentimentos por meio de cartas. Também convida os leitores a espalhar bons sentimentos e histórias, fazendo suas cartas e usando a página ao lado como envelope.

As pessoas que abrem este especial receberam uma nova chance de vida através de um transplante de órgão. Envolvidos na rede de esperança, solidariedade e amor, nem todos têm a oportunidade, no entanto, de passar a mensagem que gostariam aos seus doadores ou familiares, tornando ainda mais valiosa e especial a manifestação desse afeto em uma carta.

Foi o que fez a atriz e jornalista cearense Duda Riedel, 24, que após seis meses de tratamento contra a Leucemia, recebeu o transplante de medula óssea, no dia 21 de novembro, de um doador estrangeiro. Pelas regras do Banco Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome), somente após dois anos da realização do transplante Duda poderá conhecê-lo.

No entanto, uma carta postada por ela em seu perfil no Instagram - um pouco antes do procedimento começar - foi a forma encontrada para dizer o que sentia. "Oi, então... Não nos conhecemos, mas sei que já nos amamos. Aqui em minhas mãos seguro um pouco de ti. Você nem deve imaginar o tanto que penso em você todos os dias. Durmo agradecendo sua existência e acordo pedindo a Deus que sempre te ilumine", diz o texto.

Se referindo ao doador como parte de si mesma, a jornalista diz, ainda, conta os dias restantes até poder, enfim, abraçá-lo. Em suas palavras, Duda destaca o sentimento de gratidão pelo gesto. "Escrevo isso em lágrimas, pois me dói pensar o que seria de mim se não fosse o seu 'sim'. Sabe, essa foi a maior prova de amor que já fizeram por mim".

Inspiração

Para Duda, seu doador é, hoje, aquele que a inspira a nunca desistir da vida, mesmo diante de grandes dificuldades, conforme descrito em outro trecho. "Sua vontade de me salvar me deu vontade de viver. Obrigada por existir, obrigada por ser tão generoso, obrigada por me amar sem nunca ter me visto, obrigada por ser você e obrigada por me deixar ter um pouco de ti em mim! Eu te amo", conclui.

Legenda: Duda Riedel escreveu ao seu doador poucos instantes antes do transplante de medula

"Às vezes, a vida nos prega algumas peças. Não para sermos penalizados ou crucificados pelos nossos erros ou pelo simples fato de nem sempre agradecermos a Deus. Mas sim pelo fato de estarmos vivos". A reflexão está na carta do aposentado Nielsen de Alencar, 40, uma das 1.563 pessoas que em 2019 - até o dia 23 de dezembro - receberam um novo órgão no Estado, segundo dados da Central de Transplantes do Ceará. Diagnosticado com nefropatia crônica ainda na juventude, ele chegou a ter apenas 5% de funcionamento dos rins.

Rotina difícil

No texto, endereçado à família do doador - falecido aos 22 anos após um acidente de moto - ele relata como foi difícil entender a gravidade da doença, assim como enfrentar os 15 anos entre o início do tratamento de hemodiálise e o recebimento do órgão.

"Desde adolescente já vinha com sinais da doença. Eu só vivia anêmico, com formigamento nas pernas e nos braços, até que entrei na hemodiálise. Eu pensava que seria um tratamento por uns dias ou talvez meses e que sairia e teria uma vida normal. Mas precisamos conviver atrelado a uma máquina três vezes por semana durante quatro horas. Independentemente de feriados ou não, temos que estar lá para poder dialisar, se quisermos continuar a nossa jornada pela vida", diz.

Após cinco anos na fila de espera, o transplante foi confirmado em maio deste ano. Na carta, Nielsen enaltece a solidariedade das famílias que, mesmo passando pelo momento de dor pela morte do ente querido, autorizam a doação dos órgãos. Ele revela, ainda, a vontade de agradecer pessoalmente. "Um gesto de tamanha nobreza que com palavras não tenho como agradecer. Vou fazer de tudo para que esse presente que vocês me deram possa durar anos e anos", afirma.

A transformação da dor em amor também é expressada nas palavras escritas pelo profissional de educação física Fabieldo Tôrres,39, para aquele, ou aquela, que o doou um dos órgãos mais vitais ao corpo: o coração. Apesar de não saber nada sobre essa pessoa, será grato para sempre pela chance de poder passar mais um Natal com a família, segundo diz a carta.

"Sabe doador(a), eu sou um cara que sempre tive uma vida de atleta através de um esporte que amo muito, o judô. E é através desse esporte que faço a minha vida acontecer, porque parte dela está ligada ao judô e quase que tudo isso foi interrompido. Mas graças a Deus, a você e a sua família, que disse sim, eu tive uma segunda chance. Tenho a obrigação de cuidar bem dele, de ser feliz a cada dia e mostrar para outras pessoas que o ato de doação mesmo sendo na dor pode se transformar em amor".

 

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