Adoção: criação com apego é fundamental para fortalecer vínculos

Quando se dá o nascimento de uma mãe e de um pai? Em que momento alguém se torna filho? Como quebrar as barreiras de si para chegar ao outro? É nos encontros, histórias e abraços que estão as respostas

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@diariodonordeste.com.br
Legenda: Messias, 12, precisou de quase um ano para conseguir desprender as amarras que o impediam de abraçar a mãe adotiva, Suelen, 35 - mas, agora, tem uma vida inteira para fazê-lo
Foto: FOTO: CAMILA LIMA

Amor não é sobre sangue. Amar não é sobre DNA. É sobre ser lar, aconchego e segurança. Não é na genética onde vive o cuidado, nem nas veias onde moram o afeto e a paciência. Laços, como as casas, são algo que se constrói - e no alicerce do peito de Suelen Brasil, 35, o operário foi Messias.

Mãe e filho se conheceram quando ele tinha sete anos, todos vividos em um abrigo institucional de Fortaleza. Quando a espera acabou e, finalmente, a adoção foi concretizada, há cinco anos, outra expectativa iniciou. "Normalmente, a criança se apega logo com a figura materna, mas o Messias foi com a paterna. O processo de conquista foi muito longo pra ele ter confiança em mim - foram 11 meses até eu ganhar o primeiro abraço", relembra Suelen, que "nunca sonhou em ser mãe biológica".

O fato de a adoção ter sido tardia, quando a criança já está fora da faixa etária de até três anos, tornou a "gestação" um desafio muito maior, como relata a professora. "Quando a criança vem, são dois mundos que se encontram: você aprendendo a ser mãe, ele a ser filho. A gente idealiza, mas, quando chega, é o filho real. Há uma certa 'frustração' naqueles primeiros meses. Depois, as coisas se encaixam naturalmente".

Vínculo

Pondo abaixo, então, tijolo a tijolo das barreiras emocionais que o filho erguia, Suelen alcançou, mesmo quase um ano depois, o patamar que a emociona só em falar. "Hoje, com quase 12 anos, o Messias é extremamente apegado, grudento, o tempo todo agarrado comigo. A gente encara esse processo como preenchimento de uma lacuna da vida dele. Ter esse carinho de quem passou 7 anos com a ausência materna é tudo."

Para a doutora em Educação Patrícia Lana, abraçar o conceito de criação com apego - que prioriza "olhar para a necessidade do outro com empatia, paciência e amor" - é fundamental, mas se torna um processo difícil para famílias adotivas. "Especialmente no caso de adoções tardias, momentos desafiadores serão certos. Crianças e adolescentes nos abrigos vivem dificuldades de ordens diversas, que podem reverberar no comportamento durante o período de adaptação aos novos lares. O movimento da criação com apego pode auxiliá-las na construção de vínculos com seus filhos", pontua.

Três olhares repletos de gentileza e empatia são os que preenchem os dias de Davi, 4, desde que nasceu para a mãe, Sandra Souza, 38; o pai, Peterson Teixeira, 38; e o irmão, Samuel, 5; há cerca de três meses. "Eu tinha medo da gestação e sempre quis adotar. Fui germinando no coração do Peterson e fomos desenvolvendo mais ainda o desejo de ter um filho adotivo, mesmo já tendo o Samuel", relata Sandra. Pouco mais de um ano depois da habilitação no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), Davi chegou - com alto grau de desnutrição, uma doença rara (diabetes insípido) e um sorriso impossível de descrever nestas linhas.

Legenda: A chegada do sorriso imenso de Davi (à direita) completa a família de Peterson, Sandra e Samuel (à esquerda, de óculos)
Foto: FOTO: CAMILA LIMA

Abraçar

A rapidez no processo de desinstitucionalização do pequeno, que também tem distúrbios na produção do hormônio do crescimento, ocorreu justamente pelas múltiplas necessidades de atenção à saúde - Davi se encaixava no conceito de "adoção necessária", que abrange crianças e adolescentes fora do perfil considerado "desejado".

"O fato de aceitarmos o Davi com essas demandas foi porque o Samuel, sendo biológico, veio com autismo, calcificação e cardiopatia. E o nosso amor foi o mesmo ou até maior. Por que não abraçar uma criança também com dificuldades? Quando vimos o sorriso dele, extremamente cativante, não tinha como não ser. Eu senti que era meu filho naquele momento", declara Sandra, descrevendo, ainda, outro laço instantâneo que atou a família.

"Por Samuel ser autista, tem uma dificuldade muito grande de lidar com contato físico, não tem esse desprendimento: mas assim que o levamos para visitar o Davi, ele foi direto pra abraçá-lo. Como diz o meu marido, eles são tão irmãos e tão amáveis que até brigam e se defendem. O Samuel chama o irmão de 'meu Gavi', é uma forma que encontrou de ter um nome só deles. Só chama 'Davi' quando está com raiva", ri a mãe, que driblou os medos - e ainda dribla - para abraçar um amor que, apesar de imenso, cabe entre os dois braços.

"O processo de adaptação propriamente dito está acontecendo. Vai levar algum tempo para ele desenvolver aquela confiança de se sentir bem no ambiente. Mas estamos bem. No início, eu tinha medo de o Davi chegar em casa e sentir falta do abrigo, não querer ficar com a gente. De ele não nos acolher, não nos ter como família. Mas foi o contrário - ele já sabe que tem uma mãe, um pai e um irmão".

Espera

Atualmente, 150 crianças no Ceará ainda aguardam, oficialmente, essa sorte - constam como "disponíveis" no CNA. Mais 135 estão vinculadas a pretendentes, ou seja, no processo de visitas que precede a oficialização da adoção. A quantidade de adotantes cadastrados e disponíveis no sistema, porém, é cerca de quatro vezes maior que a de adotandos, chegando a 641, de acordo com o CNA.

Segundo o titular da 2ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude do Ministério Público do Ceará (MPCE), Dairton Oliveira, "o tempo médio de espera dos pais na fila do CNA de Fortaleza é de um ano e meio, e o máximo, que era de até oito anos, reduziu para três e meio". Até 1º de julho, "apenas 25 pretendentes" tinham entrado na fila para adotar, cujo maior contingente de adotantes (44%) entrou em 2017". A expectativa, conforme o promotor, "é que até o fim de 2019, todos os pretendentes que entraram na fila em 2016 realizem o parto do coração. Todos estão tecnicamente grávidos."

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