Ações para medir efeito de óleo em praias do Ceará não saíram do papel

Cinco meses após as manchas de óleo chegarem ao Ceará, o impacto ao ser humano é desconhecido. Medidas como o novo boletim da balneabilidade e a análise do pescado, anunciadas em 2019, não foram iniciadas até o momento

Escrito por Renato Bezerra , renato.bezerra@svm.com.br
Legenda: A manchas de óleo ainda podem ser trazidas à superfície por fenômenos naturais
Foto: FOTO: HELENE SANTOS

Já se vão cinco meses desde que as primeiras manchas de óleo chegaram ao Nordeste brasileiro, atingindo pelo menos 48 trechos de praias do litoral do Ceará em 18 municípios, segundo levantamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Mas até o momento, embora as manchas de petróleo cru tenham regredido, sequer foi possível mensurar os principais impactos que essa contaminação trouxe, ou que ainda pode trazer.

Isso porque projetos e medidas emergenciais anunciadas por órgãos no Estado em 2019, a partir dos encontros realizados pelo Grupo de Trabalho (GT) de Combate às Manchas de Óleo, ainda não entraram em vigor, como a ampliação do boletim da balneabilidade e o Plano de Monitoramento do Pescado Capturado no Litoral (PMP-CE). O fato deixa comunidades locais e visitantes sob o risco de problemas sociais, econômicos e de saúde.

Essa é a principal preocupação de Rogéria Rodrigues, coordenadora de ação de campo do Instituto Terramar, Organização Não Governamental sem fins lucrativos de caráter socioambientalista, com atuação no Ceará. "Embora a limpeza esteja acontecendo em um processo mais lento, o que mais preocupa é que, até hoje, não temos uma análise química da água para dizer se as praias estão balneáveis. Isso é muito complicado para a população e para todo mundo que usufrui desses territórios", avalia a integrante do Terramar.

O novo boletim de balneabilidade foi anunciado pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) em novembro do ano passado, com base no Plano Emergencial de Balneabilidade elaborado pelo Instituto de Ciências do Mar (Labomar). Aprovado pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema), o objetivo era que, inicialmente, sete praias passassem a ser monitoradas por meio de um exame físico-químico, toda semana, já que o atual não identifica a contaminação por óleo por ser microbiológico.

Demandada, a Semace não esclareceu o que inviabilizou a medida até então, mas anunciou que planeja para fevereiro o início do monitoramento em seis praias, dentre elas a do Futuro, em Fortaleza, escolhidas a partir de critérios como o volume de óleo removido e o número de frequentadores. A análise, no entanto, acontecerá duas vezes a cada dois meses e não semanalmente.

Pescados

Com a segurança alimentar também em pauta, após o surgimento do petróleo cru, o PMP-CE, apresentado pela Secretaria do Meio Ambiente (Sema) - também em novembro - previa a análise de peixes, sururus e camarões de, pelo menos, nove localidades atingidas pelo óleo no Estado, em um período de seis meses.

A finalidade era constatar se o músculo dos pescados identificava a presença de metais pesados e de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, indicando, assim, a contaminação. Os resultados efetivos dessa análise, no entanto, nunca foram divulgados pelo órgão.

Rogéria Rodrigues afirma que, de fato, o plano não foi colocado em prática, para prejuízo de comunidades costeiras, a exemplo das regiões de Aracati, Fortim e Icapuí, que dependem da venda do pescado para sobreviver.

"Nessas regiões, você ainda tem pescadores que não conseguem vender seu pescado porque há uma desconfiança no mercado da cidade de comprar um peixe que pode está contaminado. As pessoas estão passando necessidade, pois estão comendo um pescado suspeito, porque não têm o que comer mesmo, e nem estão conseguindo vender. E isso gera uma série de outros problemas na vida dessas pessoas, que precisam pagar conta de água, de luz, e comprar outros alimentos", comenta.

O professor Rivelino Cavalcante, pesquisador do Labomar, também destaca a ausência das estratégias prometidas, e alega ainda haver situação de risco no Estado, mesmo que as manchas de petróleo não sejam tão aparentes como antes. Segundo ele, ainda existem resquícios da contaminação, mas as ações estão acontecendo apenas de forma pontual.

"Aonde têm pedras tem óleo. Essas manchas prejudicam o turismo. Quando você relata que tem óleo, o certo é alguém ir limpar e depois avaliar os níveis dessa contaminação, mas não está acontecendo isso. Os órgãos limpam mas não passa disso. Como você vai dar resposta para uma sociedade se não for com análise?", questiona o professor.

O Ibama informou que desde o dia 30 de outubro de 2019 não são registradas manchas de óleo no Ceará. A Secretaria do Meio Ambiente (Sema), por sua vez, comunicou que todas as praias contaminadas no Estado estão limpas, com exceção de resquícios fixos em rochas das praias da Sabiaguaba e Pontal de Maceió. Pela impossibilidade de remoção de forma manual, segundo a Pasta, ainda está sendo analisado pelo Governo Federal qual técnica será usada nessa remoção.

Ação

Nos pontos em que surgem novas manchas, segundo a Sema, "uma equipe é mobilizada e a limpeza é realizada de forma rápida e eficaz". Desde o surgimento da contaminação, cerca 39,76 toneladas de resíduos foram coletados, entre petróleo, areia, sedimentos, equipamentos de proteção individual contaminados, entre outros.

A Sema esclarece, porém, que manchas de petróleo ainda podem ser trazidas à superfície por fenômenos naturais como o "swell", grandes ondulações formadas em alto mar que se direcionam à costa.

Sobre a análise do pescado, a reportagem demandou a Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA) e a Secretaria do Desenvolvimento Econômico e do Trabalho (Sedet), ambos órgãos estaduais, mas até o fechamento desta edição os questionamentos não foram respondidos.

 

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.
Assuntos Relacionados