Acidentes em ferrovias expõem possíveis falhas técnicas e humanas

Em Fortaleza, colisão, abalroamentos e descarrilhamento ocorreram em sistema considerado seguro por especialista. No entanto, operação depende de bom controle, treinamento e observância às leis de trânsito

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Ramal Parangaba-Mucuripe do VLT registrou o primeiro acidente no dia 28 de setembro deste ano
Foto: FOTO: KID JÚNIOR

Cinco acidentes envolvendo composições de transporte metroferroviário foram registrados em Fortaleza e Região Metropolitana, num intervalo de apenas 40 dias. As ocorrências põem em discussão a segurança viária desse tipo de modal, considerado mais estável por especialistas. A Companhia Cearense de Transportes Metropolitanos (Metrofor) iniciou investigações para identificar as causas dos acidentes, mas informou que não há prazo para a conclusão dos trabalhos periciais.

O primeiro ocorreu em uma colisão frontal entre duas composições do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) do ramal Parangaba-Mucuripe, no dia 28 de setembro. Na ocasião, 37 pessoas ficaram feridas, incluindo os dois maquinistas. Nove dias depois, em 7 de outubro, um caminhão bateu num trem de carga na Rua Germano Franck, no bairro Parangaba. O motorista e o passageiro do caminhão ficaram feridas. O condutor chegou a ficar preso às ferragens e, depois de resgatado, não quis ser levado a um hospital.

A Ferrovia Transnordestina Logística (FTL) alegou que o caminhão invadiu a passagem de nível e o trem “cumpriu todos os procedimentos de segurança, como uso de buzina e faróis acesos na aproximação com a passagem de nível”. 

No dia seguinte, o VLT que opera na Linha Oeste, no município de Caucaia, bateu em um caminhão de coleta de lixo que trafegava pela passagem de nível da Rua Barão de Ibiapaba. Ninguém ficou ferido. A cancela que deveria impedir o acesso de automóveis durante a passagem do trânsito não estava funcionando.

O condutor também relatou não ter ouvido o aviso sonoro de aproximação do trem. Já no dia 23 de outubro, uma técnica de enfermagem colidiu o carro que conduzia no VLT, no bairro São João do Tauape. A motorista disse que não existe sinalização sonora no local e que a cancela não baixou. Não houve feridos.

Já na última quarta-feira, outra composição do VLT da Linha Oeste descarrilhou no bairro Presidente Kennedy. Ninguém se feriu, mas trens ficaram impedidos de seguir viagem pela Linha Oeste, assim como o trânsito de veículos foi prejudicado entre a Rua Carlindo Cruz e a Avenida Tenente Lisboa. Uma equipe de técnicos foi ao local e realizou reparos na composição.

Alinhamento

Para o professor de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), Bruno Bertoncini, um sistema metroferroviário é considerado “seguro” e “muito eficiente”, mas desde que sejam obedecidas as condições de projeto, controle da operação, manutenção da via e do material rodante (composições) e de treinamento de equipes. Tudo deve estar “bem alinhado e sendo conduzido de forma bem criteriosa”.

Contudo, segundo o especialista, a relação do sistema férreo com as áreas urbanas requer cuidado e atenção especial, embora lembre que alguns sistemas, como bondes elétricos e VLTs, que operam na Europa, “convivem de forma muito tranquila com a cidade”. No caso das passagens em nível, ele enumera diversos dispositivos de sinalização: placas, pintura da cruz de Santo André no solo, sinalização luminosa, sonorização e, “em casos mais extremos”, o uso de cancelas.

“O equipamento que vai ser usado para essas interseções vai depender muito do volume de tráfego e da localização, mas pode ser usado para melhorar a fluidez e reduzir conflitos entre esses sistemas”, garante Bertoncini. “Uma coisa muito importante é que haja respeito às leis de todos os lados, tanto do motorista, se atentando à sinalização, como dos operadores da via férrea, mesmo que geralmente já haja uma redução de velocidade”, explica o especialista na área.

Série de fatores

Nos episódios mais severos, envolvendo a colisão frontal e o descarrilhamento, o professor da UFC considera difícil apontar um problema sem a devida investigação técnica, mas adianta que “um acidente não ocorre por uma única causa, mas por uma série de fatores”. Dentre eles, características de gerência e geometria da via. Ainda assim, Bruno Bertoncini pondera que, “costumeiramente, aspectos técnicos ou construtivos tendem a ser mais fortes nas ocorrências do que a questão humana”, indica.

Em todas as ocorrências envolvendo o VLT, o Metrofor suspendeu temporariamente os serviços, operando de forma parcial. Em nota, a empresa afirmou que as situações estão sendo apuradas por duas comissões distintas: a Comissão Permanente de Sindicância, do próprio Metrofor, e por comissão especial formada por membros da Secretaria da Infraestrutura (Seinfra) e da Procuradoria Geral do Estado (PGE), com participação do Metrofor.

Apuração

Sobre os abalroamentos de 8 e 23 de outubro, foram abertos boletins de ocorrência no 7º Distrito Policial (Pirambu), “para eventual necessidade de reparação de danos materiais”. A empresa garantiu que, nos dois casos, havia sinalizações ativas e passivas nas passagens de nível, alertando sobre a existência da via férrea e sobre a aproximação do veículo sobre trilhos.

O Metrofor lembra, ainda, que nas duas datas, os motoristas dos carros envolvidos nos acidentes não respeitaram o artigo 212 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que trata da obrigatoriedade de “parar o veículo antes de transpor via férrea”. “Segundo o CTB, os trens, devido às suas características, possuem prioridade absoluta no fluxo dos diferentes meios de transporte”, completa a empresa, criticando a “imprudência” dos motoristas.

Já sobre o descarrilhamento da composição na Linha Oeste, a Companhia de transportes informou que o caso “ainda está sendo analisado”.
 

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