A (re)descoberta dos Tabajaras

Escrito por Marcelo Monteiro , marcelo.Monteiro@svm.com.br

Lá pelos idos de 2011, (re)conheci o Dragão do Mar como ponto de encontro de todas as tribos. O jangadeiro resguardava a emancipação da rotina ou de práticas sociais predeterminadas, reescrevendo, assim, histórias de libertação na cena noturna da cidade. No entanto, como diz aquele velho clichê de paquera, "a noite é uma criança" - e, como tal, muda com o tempo. Com aquele local não tinha como ser diferente.

No começo, eu ia ao Dragão para ser tocado. Para trocar amor. Lá, a atmosfera era de liberdade, eu podia ser quem eu quisesse sem me preocupar. Contudo, numa das minhas últimas noitadas entre os prédios coloridos, fui obrigado a me despir das boas lembranças - elas cederam lugar a outras marcas. Uma delas em uma blusa recém-comprada, rasgada após uma tentativa de assalto. Hoje, com um leve remendo, consigo usá-la normalmente. Mas a cicatriz não se resumiu ao tecido. Também ficou na mente, obrigando-me a buscar outro refúgio. Para o meu espanto, o possível novo abrigo não ficava longe dali: a Rua dos Tabajaras. E segui.

Minhas lembranças de lá não eram muito agradáveis, uma vez que eu detestava não ter colunas e escadas para me apoiar ou até me esconder dos olhares curiosos. Trocar a arquibancada da Praça Verde pela mureta do Estoril não parecia bom negócio. Tudo ocorria a céu aberto. Mas dar uma chance àquele local foi melhor do que eu esperava: percebi que eu não estava sozinho. Soube de casos parecidos; havia, também, outros nômades. Reencontrei rostos, desejos e alegrias antes perdidos ao vagar pela rua de paralelepípedos, que, apesar do desmantelo, ainda serve de tapete para um trânsito incessante. E, mais do que isso, passei a nutrir afeto por aquele lugar.

Se antes eu rumava ao Dragão em grupo, hoje a união vem ao longo dos passeios. Se a clareira da Praça Verde me separava dos demais, os Tabajaras estreitam laços. A rua tem o poder de agregar. A começar pelas caixas de som dispostas pelos ambulantes, as quais ampliam a sonoridade da via, que vai do funk ao forró de uma esquina à outra. Pequenas cordialidades criam vínculos efêmeros, renovados a cada novo encontro. Abraçar com entusiasmo a senhorinha que vende bebida não parece inatural. Atravessar a mansão-Secretaria para ver as ondas da praia também não. É como estar em casa, mas sem portões, paredes ou conforto. E, claro, tendo de se preocupar com possíveis disputas: quem disse que rua é lugar para pedestre? Que é permitido vender bebida em frente a um bar? Que a rua, para além dos empreendimentos, pode divertir? Ao que parece, motoristas, proprietários de boates e a fiscalização da Prefeitura veem que tais atos são sinais de atrevimento. Estes, entretanto, não são maiores que a ousadia de se sentir seguro.

Foi assim que passei por outro baque. Visitar o calçadão-quintal do Estoril num sábado qualquer poderia ser um passeio tranquilo se o encontro da vez não fosse com um adolescente armado. Em um instante, o chão sumiu, as pernas tremeram e eu corri, pensando em sumir dali. Mas aonde eu iria?

Percebi, naquele momento, que não poderia fugir outra vez.

O abalo pesa na balança, porém a pluralidade de experiências tem o seu valor. Desvencilhar-me de tudo novamente seria um esforço - valeria a pena? Demoraria um pouco a achar outra aldeia de corpos dançantes e risos ébrios. A enxergar a variedade cultural e os rostos conhecidos na vizinhança da madrugada. Resolvi permanecer e seguir a vida de pessoa noturna ali mesmo. Assim, continuo usufruindo de doses de boemia, mas com goles de resistência. Porque hoje é necessário se embeber em coragem.

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.