80% das unidades filantrópicas do Estado estão no vermelho

Escrito por Redação ,
As entidades, que são mantidas com a contribuição do SUS e da sociedade, enfrentam subfinanciamento

Quando se diz que a situação está no vermelho é porque, geralmente, se gasta mais do que se pode. Em relação aos gastos particulares, a situação, na maioria das vezes, está ligada à falta de gestão das contas. Contudo, quando falamos em unidades de saúde filantrópicas, a necessidade de atendimento, aliada à defasagem da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS) e à limitação dos serviços, são os principais geradores desse déficit. No Ceará, segundo a Federação das Misericórdias e Entidades Filantrópicas do Estado (Femice), existem 36 destas unidades, sendo que 80% (29) estão com as contas no vermelho. Na lista, há três Santas Casas.


A Federação das Misericórdias e Entidades Filantrópicas do Estado (Femice) afirma que há atrasos no repasse das verbas federais Foto: Alex Costa

As instituições atuam para dar suporte a um sistema público de saúde que há muitos anos funciona acima do limite. As unidades de saúde filantrópicas são mantidas com a contribuição do SUS e da sociedade, já que parte dos atendimentos é privada e outra parte é pública.

Diante da grande demanda, muitos desses hospitais acabam recebendo, em quase sua totalidade, pacientes do SUS. Porém, a tabela de valores pagos para procedimentos e contratação de profissionais está completamente defasada. A explicação foi dada pelo presidente da Femice, padre Francisco Gomes da Silva.

Segundo ele, o maior problema é o subfinanciamento. A maioria dos procedimentos do SUS, especialmente os de baixa e média complexidade, só são cobertos na proporção de 60% a 65%. A situação gera um déficit programado da ordem de 35% a 40%, e a consequência é o endividamento das Santas Casas e hospitais filantrópicos não só no Ceará, mas em todo o País.

"Os burocratas do governo - tanto a nível federal, estadual quanto municipal - argumentam, com frequência, que muitos dos problemas são de gestão. Isto também existe, mas numa proporção bem menor do que no setor público. Conclui-se que o problema não é de produtividade, e, sim, de baixa remuneração", afirma padre Gomes.

Ele explica que as verbas federais chegam por intermédio dos municípios, que, muitas vezes, atrasam o repasse e não dão contrapartida para os hospitais. Além do que, a tabela do SUS não é reajustada há anos e precisa de rápida correção de valores.

Diante dessa situação, o presidente da Femice afirma que, nos últimos quatro anos, cerca de dez instituições filantrópicas no Ceará fecharam as portas ou foram praticamente obrigadas a entregar a administração para as prefeituras. Além disso, conforme ele, o risco de mais instituições fecharem é eminente.

"Para driblar tais dificuldades, as instituições fazem empréstimos com instituições financeiras, renegociam dívidas e solicitam contribuições à sociedade por meio da arrecadação de notas e cupons fiscais, com a realização de festas beneficentes, e doações através da conta de luz", ressalta o padre.

Interior

Segundo a Femice, das quatro Santas Casas do Estado, três estão com contas no vermelho: Santa Casa de Misericórdia de Sobral, de Paracuru e de Morada Nova. A diretora administrativa da Santa Casa de Paracuru, Elisandra Moreira Silveira, explica que, atualmente, o hospital é a única unidade de saúde da cidade e cerca de 99% dos atendimentos e procedimentos são feitos pelo SUS.

Ela reconhece que o repasse chega mensalmente através do município, mas não afirma que a verba não cobre as despesas com os procedimentos. Diante disso, o hospital tem um déficit que gira em torno de R$ 50 mil. "A solução encontrada foi fazer um convênio com a Prefeitura de Paracuru. Prestamos serviços para o município, e eles pagam um médico cirurgião, um anestesista e um profissional para a emergência. Do contrário, já teríamos fechado as portas", avalia.

Outra contribuição fundamental é proveniente da sociedade. Segundo Elisandra, as colaborações particulares também são responsáveis pelo funcionamento da unidade de saúde.

Em Morada Nova, a situação não é diferente. Conforme o diretor médico, Paulo Sérgio de Almeida, 96% dos atendimentos da Santa Casa são de procedimentos do SUS. Segundo ele, esse é o maior complicador, pois a tabela remunera muito mal.

"Para cada R$ 100 gastos, a gente recebe 65%. O hospital vive em situação deficitária tendo que, por vezes, atrasar o pagamento das contribuições sociais, parcelar dívidas com fornecedores para que o atendimento não seja prejudicado. Esse déficit financeiro também impossibilita o hospital de fazer novos investimentos", ressalta Paulo Sérgio.

Despesas

10 instituições filantrópicas no Ceará, em quatro anos, fecharam ou foram praticamente obrigadas a entregar a administração para as prefeituras

FIQUE POR DENTRO
Como funciona o financiamento das Santas Casas

Conforme o Ministério da Saúde, os recursos são aportados para as Santas Casas a partir de contratualização global, atingimento de metas, participação nas redes prioritárias - por exemplo, a Rede de Urgência e Emergência - e na forma de incentivos de qualidade e produtividade.

Segundo o órgão, quanto à certificação, as Santa Casas devem ofertar e comprovar, no mínimo, 60% dos serviços para o Sistema Único de Saúde (SUS). No ano passado, foram disponibilizados R$ 222 milhões. Em 2011, foram mais de R$ 220 milhões para essa unidades. Os recursos foram aplicados no custeio de procedimentos ambulatoriais e hospitalares, incluindo exames, consultas e cirurgias.

Atualmente, os recursos destinados aos procedimentos das Santas Casas são repassados antecipadamente ao gestor para que este possa distribuir de acordo com a necessidade de cada uma.

O pagamento dos procedimentos são feitos de acordo com o valor previsto pela legislação do SUS. De acordo com o Ministério da Saúde, já que cada procedimento tem um valor específico, o pagamento não deve ser inferior do que está previsto, e o gestor faz a programação conforme a produção da entidade.

KARLA CAMILA
REPÓRTER
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