70% das adolescentes não voltam à escola após o parto

A demora na procura por atendimento especializado implica na alta incidência de bebês prematuros

Escrito por Redação ,
Legenda: Além dos riscos para o feto, a gravidez num corpo ainda imaturo pode afetar a mãe, sujeita a pré-eclâmpsia, pressão alta e diabetes
Foto: Foto: Nah Jereissati

Em outubro do ano passado, Maria Vitória veio ao mundo na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (Meac), no bairro Rodolfo Teófilo, em Fortaleza. Hoje, aos cinco meses, está sadia e recebe cuidados da mãe, K.S.S., que a teve bem jovem, aos 15 anos de idade. O caso, porém, não é exceção: dos cinco mil partos realizados anualmente na unidade, 25% ocorrem em adolescentes. Segundo levantamentos da Meac, 70% delas não voltam às salas de aula nos anos seguintes e 37% têm reincidência de gravidez em até cinco anos.

No Ceará, em 2015, dos 131.522 bebês nascidos vivos nas maternidades, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 24.823 tiveram mães adolescentes, ou seja, 19% dos partos no Estado. Delas, 1.215 eram menores de 15 anos e 23.608 tinham de 15 a 19 anos. Os dados indicam uma questão de saúde pública, como observa a ginecologista e obstetra Zenilda Bruno, chefe da Divisão Médica da Maternidade e coordenadora do Ambulatório do Adolescente.

"Muitas dessas meninas não fazem o pré-natal adequadamente porque escondem a gravidez da família até quando podem, desenvolvendo anemia e infecções, o que dificulta um tratamento adequado", afirma a médica. A demora na procura por atendimento especializado implica na alta incidência de bebês prematuros, nascidos antes de 32 semanas. Além dos riscos para o feto, a gravidez num corpo ainda imaturo pode afetar a mãe, sujeita a pré-eclâmpsia, pressão alta e diabetes.

"Diminuindo a idade, aumenta-se a gravidade. Antigamente, atendíamos a meninas com uma média de 16 anos; hoje, chegam de 15, 14, até 13", preocupa-se a médica. Em 30 anos de trabalho, o Ambulatório do Adolescente, referência nacional no atendimento a adolescentes grávidas, já atendeu a 44.275 meninas até 18 anos de idade, somando 121.277 consultas de pré-natal e de ginecologia.

Como atenta Zenilda Bruno, grande parte das pacientes atendidas na Meac também está inserida num contexto de vulnerabilidade social. Além disso, 90% não vivem com os companheiros, ou passam a morar com eles depois que o bebê nasce. "A reincidência na gravidez costuma ocorrer em até um ano, principalmente se a adolescente não for casada. Se ela não tem um companheiro fixo, acha que não precisa de métodos de concepção", explica a médica.

Vulneráveis

Enquanto o parceiro constrói a casa da família, em Forquilha, K.S.S. Amamenta Maria Vitória e tem na tarefa sua única preocupação. "Eu não quero mais estudar", afirma com segurança. Segundo ela, os planos para o futuro ainda são incertos, bastando que a filha "tenha saúde". Para Zenilda, decisões assim criam um novo ciclo de vulnerabilidade porque as adolescentes, sem estudos ou capacitação, ficam impossibilitadas de atingirem maior estabilidade financeira e social.

A fim de evitar situações assim, as adolescentes também optam pelo aborto. A médica afirma que as algumas garotas chegam à unidade com os companheiros, alguns também adolescentes, ou mesmo sozinhas, já sangrando após o uso de medicação abortiva. "Existe um tabu muito grande em se falar de sexualidade feminina, embora estejamos no século XXI, porque os pais acham que as filhas não têm relações sexuais. É complicado mudar a cultura", acredita a médica.

Saída

Para ela, a saída está no desenvolvimento de políticas públicas em postos de saúde e escolas, com mais informação sobre prevenção, anticoncepção, cuidados com o recém-nascido, amamentação, orientação para o parto e planejamento familiar. Os temas serão discutidos na "Semana do Adolescente", evento que marca o início das comemorações pelos 30 anos do Ambulatório. A abertura aconteceu no dia 28 de março, às 8h30.

No dia 29, foram oferecidas vacinas contra o vírus HPV para crianças e adolescentes da comunidade que tenham entre 9 e 14 anos, além da distribuição de preservativos aos vacinados. Já no dia 31, aconteceram palestras sobre prevenção às Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) para alunos da rede pública de ensino, com teatro de fantoches.

(Colaborou Nícolas Paulino)

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