48% dos estudantes de Fortaleza se sentem inseguros na escola

Pesquisa aponta que quase metade dos alunos da Capital têm menor percepção de segurança nas unidades de ensino. Fenômeno pode comprometer o desempenho escolar e levar a problemas de saúde mental

Escrito por Nicolas Paulino , nicolas.paulino@diariodonordeste.com.br
Legenda: O estudo também revela que, quanto maior a idade, menor é a chance de os jovens se sentirem seguros.
Foto: FOTO: Saulo Roberto

A escola deveria ser símbolo de aprendizado e desenvolvimento cidadão, mas também se torna espaço de medo para quase metade dos estudantes de Fortaleza: 48% declararam não se sentir protegidos no ambiente escolar, segundo a pesquisa Infância [Des]Protegida, da Organização Não Governamental (ONG) Visão Mundial, que aponta maior sensação de insegurança entre meninas, negros e pessoas com deficiência.

“Dentro de um grupo vulnerável, temos grupos ainda mais vulneráveis”, explica a assessora de proteção infantil da Visão Mundial, Karina Lira, destacando que a maioria das crianças de escolas públicas vive em comunidades “de exclusão”. Mesmo assim, 76% disseram se sentir mais protegidos dentro de casa - ainda que uma em cada quatro não tenha a sensação de segurança no próprio lar.

Agressões e xingamentos podem prejudicar o desenvolvimento infantil, alerta psicopedagogo

O estudo também revela que, quanto maior a idade, menor é a chance de os jovens se sentirem seguros. Foram pesquisados 3.814 estudantes de 9 a 17 anos, do 5º ao 9º ano do Ensino Fundamental, em 67 escolas de ensino público de Fortaleza, Salvador, Recife; Nova Iguaçu (RJ); Canapi e Inhapi (AL); e Governador Dix-Sept Rosado (RN).

Do total, um em cada três estudantes relatou situações em que sofreu violência direta ou consequência da violência urbana: 84% presenciam brigas entre alunos e 33% sofrem ameaças, abuso físico e/ou xingamentos na escola. Entre crianças e adolescentes negros, este último índice sobre para 37%. 

Prejuízos

Para o vice-presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia no Ceará (Abpp-CE), Harley Gomes, a escola como zona de conflitos é resultado de vários fatores. “Temos que enxergar o estudante como um sujeito biopsicossocial. Ele não deixa seus problemas à parte da escola. Temos jovens que foram bem atendidos nas questões afetivas e emocionais, mas também aqueles que são vítimas de conflitos familiares, são agredidos, violentados, e vítimas da ausência de políticas públicas”, explica.

O especialista alerta ainda para a naturalização de discursos e práticas violentas por crianças e adolescentes, já que alguns sujeitos percebem atos agressivos como forma de brincadeira ou interação. “Geralmente, esse pensamento parte do agressor. Ele não vê um xingamento ou empurrão dentro de sala como ato violento, mas uma forma de sociabilidade”, afirma, ressaltando a necessidade de diálogo e discussão do tema.

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na extrema pobreza A pesquisa mostra que mais de 30 mil crianças e adolescentes entre 0 e 14 anos da Capital vivem abaixo da linha de extrema pobreza- bem longe do índice de Desenvolvimento Humano da cidade, de 0.754, considerado "alto"

Karina Lira, da Visão Mundial, elenca ainda os prejuízos das agressões. Baixo desempenho escolar e desmotivação da permanência na escola surgem no contexto educacional; na dimensão da saúde mental, podem desenvolver depressão e dificuldade de estabelecer vínculos sociais e afetivos. Há preocupação ainda com propensão à agressividade e drogadição. 

Agressões

Os casos de violência, porém, não se restringem à Capital. No último dia 6 de junho, em vídeo compartilhado em redes sociais, uma criança aparece sendo pisoteada por outros alunos no município de Caririaçu, na região do Cariri. Um dos envolvidos chega a pular em cima do menino que está no chão. A professora suspeita de ter filmado as agressões foi afastada do cargo

Já no dia 18, uma estudante de 12 anos foi agredida em frente a uma escola municipal de Maracanaú, na Região Metropolitana (RMF). Após discussões verbais, um garoto que estava do lado de fora do estabelecimento de ensino puxou a menina pelo portão e iniciou uma série de agressões físicas. A ação foi controlada por outros alunos. Contudo, depois da aula, a menina foi novamente agredida com socos e puxões de cabelo, pelo mesmo menino.

Segundo a mãe, a menina está assustada e não quer sair mais de casa. Ela revela que não foi a primeira vez que a garota sofreu constrangimento. “Ela vem sendo humilhada desde que entrou (na escola). Fui obrigada a alisar o cabelo da minha filha porque ela sofria bullying dentro de sala”, comenta.

Ações

A Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza (SME), responsável pelos alunos até o 9º ano, disse, por meio de nota, que promove uma política de proteção à criança e ao adolescente por meio do trabalho da Célula de Mediação Social e Cultura de Paz da SME, que atua no fortalecimento da escola para a resolução de conflitos e pela disseminação da cultura de paz. 

Conforme a SME, o trabalho preventivo é realizado com a Célula de Segurança Escolar, que atua em ação conjunta com a Inspetoria de Segurança Escolar da Guarda Municipal (ISE) e a Secretaria Municipal da Segurança Cidadã.

Outro esforço da gestão municipal é a articulação de projetos junto ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha que promovem capacitação de profissionais e gestores frente à convivência com riscos relacionados à violência. 

“É importante ressaltar ainda que a Rede de Ensino de Fortaleza controla o acesso às unidades com a presença de monitor na recepção à comunidade escolar, além de vigilância patrimonial e porteiros noturnos. O parque escolar de Fortaleza conta hoje com 573 equipamentos, que atendem mais de 223 mil alunos”, informou a pasta municipal.

No âmbito estadual, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc), embora não tenha alunos no escopo da pesquisa, informou que também implantou, em 2016, a Célula de Mediação Social e Cultura de Paz, incentivando “a criação dos núcleos de mediação como ferramenta pedagógica para minimizar os impactos dos conflitos nas escolas”.

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