'Rei do Acesso' vê preconceito com treinadores nordestinos

Com experiências de sucesso nas séries B, C e D, o treinador afirma que agora o seu grande desejo é trabalhar na Série A do futebol brasileiro

Com um vasto currículo no futebol nordestino e recordista de acessos no país, o treinador Flávio Araújo, 55, ainda não conseguiu mostrar o seu trabalho nos clubes das regiões Sul e Sudeste do país. De acordo com ele, a explicação é simples: preconceito.

"Existe uma discriminação. Na visão de dirigentes das regiões Sul e Sudeste, o treinador nordestino é despreparado. Não só em termos de conhecimento futebolístico, mas também de cultura e de educação mesmo", disse Araújo, que estudou história na Universidade Federal do Ceará por três anos, mas não chegou a terminar o curso.

O desabafo pode ser explicado pelos clubes que dirigiu ao longo de seus 20 anos de carreira. Ele comandou mais de 20 equipes, mas apenas duas vezes deixou a região: em 2016, quando teve breves passagens por Cuiabá e Mogi Mirim.

O número de técnicos nordestinos nos clubes das regiões Sul e Sudeste corrobora a percepção de Araújo. Das 59 equipes dessas regiões em todas as divisões nacionais, apenas duas têm ou tiveram nesta temporada (no caso das equipes da Série D, já encerrada), treinadores nordestinos.

As exceções são Ponte Preta e Figueirense, dos baianos Marcelo Chamusca e Rogério Micale, respectivamente.

Natural de Fortaleza, ele tem o apelido de "Rei do Acesso" - já são sete na carreira, mais do que qualquer outro treinador neste século. Em 2018, levou o Treze-PB para a Série C. A equipe foi vice-campeã da Série D - perdeu a final para o Ferroviário-CE, que foi dirigido pelo treinador cearense Marcelo Vilar.

Antes da conquista com o Treze, o técnico havia subido com Icasa (2009), América-RN (2011), Sampaio Corrêa (2012 e 2013), River-PI (2015) e CSA (2017). Assim, superou o pernambucano Givanildo de Oliveira, 70, que tem cinco acessos. Ele também já reclamou de discriminação contra profissionais nordestinos.

"Já trabalhei na Série B dirigindo o Icasa (2010) e o Sampaio Corrêa (2014 e 2016), mas agora o meu grande desejo é trabalhar na Série A do nosso país. Sou muito feliz e realizado com o que conquistei até hoje, mas sigo trabalhando em busca deste sonho", disse Araújo, que afirma não se espelhar em treinadores de renome do futebol atual.

Ele cita como referências Paulo Emílio (campeão carioca com o Fluminense em 1975), Zanata (técnico do Vasco nos anos 1980), Zé Mário (treinador do Botafogo nos anos 1980 que fez carreira no futebol árabe) e Djalma Linhares (ex-técnico do Ceará). Todos trabalharam com Flávio Araújo na época em que ele jogava como volante no Ceará - sua carreira como jogador também foi quase toda em equipes nordestinas.

"Não sou de seguir moda. Meus times gostam de propor o jogo, valorizam a bola e jogam verticalmente quando têm a posse. Gosto de marcar no campo de ataque, pressionar o homem da bola. Não sou adepto ao futebol reativo", disse, se referindo aos times que priorizam a marcação e o contra-ataque.

Apesar de não citar Renato Gaúcho como uma referência, Araújo faz elogios ao Grêmio comandado pelo treinador.

"O Grêmio é um time competitivo, que marca e joga. O Renato Gaúcho faz o time jogar com transição ofensiva rápida. Me agrada", disse.

No entanto, diferentemente do gaúcho, que já afirmou não ver necessidade de se aperfeiçoar em cursos de especialização, Araújo busca se atualizar com a ajuda da internet.

Atualmente ele faz o curso Tática Aplicada no Treinamento, da Universidade do Futebol. Pretende também quer obter no final do ano a Licença A da CBF. O valor de R$ 10.550 do curso, porém, pode inviabilizar essa meta.

"É um curso excelente, mas o valor é exorbitante para a nossa realidade", afirma.

Mesmo com o desempenho dos últimos anos, Flávio Araújo está sem clube. Ele estuda uma proposta do próprio Treze, sua última equipe, e é pretendido pelo River do Piauí, que disputará a Série D do Brasileiro em 2019.

O que ele sabe é o segredo para conquistar mais um acesso na carreira. "Meus times procuram aliar força com técnica. Nestas divisões, a força é um fator importante, muitas vezes determinante, mas procuro ter qualidade técnica porque na hora de fazer a diferença só com a força você não faz. É necessário ter jogadores que desequilibram", disse.

Além disso, cita a importância de tratar os jogadores do elenco sem fazer distinções.

"Tem que tratar todos os jogadores da mesma maneira, sem preconceito. Não faço discriminação em relação à idade. Procuro estar sempre conversando. Exijo, cobro e elogio todos para manter a unidade do grupo", completou.