Entrevista: Muricy fala sobre isolamento e pede bom senso a jogadores, 'tem de entender os clubes'

Comentarista esportivo e multicampeão, ex-treinador fala sobre momento do País

Legenda: Muricy lamentou afastamento da família, mas compreende que é necessário
Foto: Foto: Rubens Chiri / Site Oficial do São Paulo

Fechado em casa há duas semanas para evitar o contágio do novo coronavírus, o ex-treinador Muricy Ramalho se preocupa com o impacto da pandemia no futebol. Em entrevista ao Estado, o hoje comentarista do canal SporTV conta que, por ter 64 anos, tem evitado ver os filhos e a neta, e torce por uma resolução rápida na negociação entre clubes e atletas sobre a redução salarial para o período de crise.

Para Muricy, é preciso bom senso dos dois lados e caberá aos jogadores entenderem que a paralisação prejudica demais as finanças dos clubes. Nesta sexta-feira, por sinal, o Fortaleza foi a primeira equipe brasileira a entrar em acordo com os elencos e fechar uma diminuição salarial de até 25% por dois meses. Na Espanha, o poderoso Barcelona anunciou que reduzirá salários de atletas e dos funcionários do clube.

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Confira os principais trechos da entrevista:

Como está a sua rotina?

Está ruim, como para todo mundo. A gente está sempre acostumado a viajar, encontrar os amigos e trabalhar. Então é muito estranho estar isolado. Eu a minha esposa estamos no nosso apartamento, saindo bem pouco, longe dos filhos e da neta, dos amigos. É uma rotina difícil para todos, muito dura. Vamos ter de aguentar. A gente tem de entender que é perigoso, que não pode encontrar outras pessoas. Vale o sacrifício. Eu e minha senhora estamos no grupo de risco, pela idade. Temos de saber que esse vírus é duro e não perdoa. O vírus você não controla e para nós, que gostamos do esporte, é ruim. Está sendo difícil ficar sem futebol. Mas temos de entender.

Há quanto tempo está recluso?

Estou há uns 15 dias no meu apartamento, só saio um pouco para fazer atividade física em lugar que não tem ninguém. Eu tenho de cuidar da minha saúde. É duríssimo. Eu tenho três filhos, que estão longe de mim agora. A gente só fica no Facetime falando. Mas não é igual, porque não tem o abraço e o carinho. Tenho uma netinha de quase três anos e não posso nem abraçar. Temos de segurar essa onda.

Os problemas de saúde (cardíacos) que você teve te deixaram mais cauteloso?

Com certeza. A gente só aprende quando toma sustos. Só deixei de ser treinador porque levei dois grandes sustos. É uma coisa que é importante está ligado. Esse vírus é perigoso.

Os clubes têm tentado reduzir salários nessa época. O que pensa disso?

Tem de ver os dois lados, do clube e do jogador. Em primeiro lugar, alguns clubes têm problemas de não pagar salários há algum tempo. Para fazer acordo com o jogador, se você deve há algum tempo para ele, é difícil. Agora, o jogador tem de entender que os clubes estão em situação complicada. Patrocínio nesta época não vai ter, bilheteria de jogos também não. Vão ter de chegar a um bom senso sobre o que é melhor para todos. O futebol vai ser afetado como todas as outras áreas, não tenha dúvida. Agora, tem de achar uma coisa boa para os dois.

Então, para reduzir salários, primeiro tem de falar em pagar em dia...

Os jogadores do time do interior sempre sofrem mais, porque não ganham o suficiente para guardar alguma coisa para quando tiver alguma emergência. Já é difícil receber, e quando recebem não dá para guardar porque já estão devendo. É uma situação complicada. A gente só está percebendo o movimento na Série A, mas é pior quando se trata de outras divisões. Esses, sim, vão ter problema Por isso os sindicatos de jogadores têm de ficar de olho, em quem está em dificuldade gigante. Na Série A, geralmente os jogadores têm até um dinheiro guardado.

A pandemia vai deixar algum aprendizado para o futebol?

O problema do futebol, como no Brasil todo, é que, quando acontece alguma coisa grave, se fala muito naquele momento e depois se larga tudo. Neste momento, a gente queria ver os clubes se unindo e pensando juntos. Mas não vai acontecer isso. Vai passar a pandemia, se Deus quiser, e depois cada um segue para o seu lado. Entre os clubes, cada um pensa no seu. Desde que me conheço como jogador, nunca vi os clubes se juntarem para resolver situações complicadas.

A parada deve mudar bastante a força dos times?

Vão voltar diferentes, sim. Primeiro na parte psicológica. Não é fácil. Jogador de futebol é como qualquer outra pessoa, tem família, tem sentimentos. Vai demorar um pouco para arrancar. Na parte física será o mesmo, vai deixar muito a desejar. Por mais que estejam treinando um pouco em casa, isso não basta. O futebol de hoje exige demais da parte física. Vai demorar um pouco para entrar no ritmo. Perdeu todo aquele embalo dos Estaduais. Vai mexer demais com os jogadores, diretoria e a torcida.

Ficou surpreso por adiarem tantos eventos esportivos?

Não. Tinha de fazer isso mesmo. Não tinha como estar em uma situação dessa e querer ter jogos, mesmo com portões fechados. Jogador de futebol não tinha cabeça para jogar com portões fechados. Só jogava porque tem contrato mesmo. Tinha de parar. Não tem condições psicológicas para ter festa neste momento. Temos de entender. Foi certo parar tudo.
 


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