Irreverentes e apaixonados, torcedores cearenses têm forma especial de assistir futebol

Conhecidos pelo jeito irreverente de torcer, os cearenses constroem sua identidade também nas praças esportivas, onde preservam tradições seculares na forma como se comportam ao assistir uma partida

Legenda: Os estádios de futebol no Ceará são fundamentais para a formação de uma identidade local, sempre marcada pela irreverência fora e dentro dos palcos esportivos locais
Foto: JL Rosa

Faminto, o torcedor cearense sai de casa em direção ao estádio de futebol. É de praxe "forrar o bucho" antes da bola rolar. Parece exagero, mas a variedade de opções é tamanha que há de se confundir o verdadeiro objetivo do palco esportivo: assistir ou degustar uma feira gastronômica.

O cardápio tem de tudo um pouco, desde macaxeira com chá até carne do sol desfiada com cuscuz. Carro chefe, o espetinho pode ser frango, carne ou coração, só não deixam faltar a farofa. E a música, principalmente o forró, liberado gratuitamente dentro e fora dos estádios.

E o jogo? Já vai começar. O ritual é completado por um equipamento singelo que independe de compreensão. Como o gol, o rádio de pilha é parte da atmosfera do futebol cearense. Conecta quem não entende, atiça os mais fervorosos e enxerga no gramado o que os olhos atentos não veem. Uma mão para gesticular, abraçar o torcedor do lado (conhecido ou não) e segurar o copo (ou comida, mosaico, seja o que for) enquanto a outra fica com o instrumento no "pé do ouvido" em uma tradição secular.

Isso porque as arquibancadas são arenas de debate. Todos aqui são técnicos, dirigentes e até "conhecidos" de jogadores. A veracidade dos fatos tem pouco peso na conversa, que entrelaça todos e os iguala num pedestal de harmonia.

A união da torcida é uma resposta ao desempenho apresentado. Sem perder o lado humorístico de viver, o cearense sabe se irritar e brincar simultaneamente. Se vai bem, aplausos. Nem tanto, impaciência e um "arriégua, macho". O melhor, certamente, é a vaia local. Aos visitantes, o som assusta pela falta de sutileza. Onomatopeia que foge do convencional e do sentido porque não é crítica, mas deboche. O objetivo é o riso.

No Ceará, o espetáculo em campo é dos jogadores, o de fora fica na conta do torcedor. Castelão, Presidente Vargas, Romeirão? visitar um estádio de futebol é se colocar diante da cultura de um povo. A relação é mítica: cearense e esporte nasceram um para o outro. Não são as grandes conquistas que marcam essa paixão, mas o ethos do jogo que faz parte de uma identidade, ou melhor, cearensidade que há dentro de cada residente da região. Diante de tantos símbolos culturais, os estádios de futebol são redutos históricos do que é ser alencarino.

Causos do esporte

A presença do público é fundamental para fomentar o amor pelo esporte. E nesse contexto, a torcida cearense se faz viva nos estádios. Independente das campanhas, Ceará, Ferroviário, Fortaleza e tantos outros têm público cativo quando entram em campo.

Os estádios lotados são alvos de célebres memórias para o público, que já se deparou com causos como um strip-tease no PV para promoção de um jogo; vendedores de Marujinho (sorvete similar ao dindim) jogando baralho nas escadas do Castelão antes da partida e até um torcedor dormindo de rede nas dependências do estádio.

O que tem num jogo de futebol no Estado do Ceará?

Vaia cearense
Grito emitido em ocasiões inusitadas, como um gol contra ou drible.

Marujinho 
Gelado ensacado comercializado nos estádios.

Comidas típicas
Carne do sol, farofa, cuscuz e até panelada são vendidos nos dias de jogo.

Forró
Ritmo que embala os torcedores antes da bola rolar.

Humor
Seja perdendo ou ganhando, o riso prevalece na torcida.