Com trauma da Lava Jato, Peru terá Pan austero

Sob supervisão britânica, organização e obras do evento esportivo, que será o maior da história peruana, têm foco em passar longe de qualquer suspeita de desvio de verba

Imagine um país que, às vésperas de sediar o maior evento esportivo de sua história, mergulha em um escândalo de corrupção que derruba o presidente da República, arrasa a casta política e coloca todas as obras públicas sob suspeita. Sede inédita dos Jogos Pan-Americanos, com início em 26 de julho, o Peru guarda tantas semelhanças com o Brasil que até o nome do responsável por detonar a crise é o mesmo: Operação Lava Jato.

Pressionada pela opinião pública e com a experiência do país vizinho, a organização do Pan de Lima se cercou de precauções contra acusações de corrupção e se sujeitou a controle externo de gastos por meio de um acordo de supervisão entre os governos peruano e britânico.

"Vejo o peruano buscando austeridade e transparência em todo o processo", afirma o mineiro Marcelo Wellisch, de 39 anos, gerente da equipe britânica do acordo Peru-Reino Unido. Há dois anos vivendo em Lima e com seis grandes eventos na bagagem, Wellisch é um dos cerca de 150 brasileiros envolvidos na organização do Pan, a maioria com experiência em Copas do Mundo e Olimpíadas.

O contingente dos "ciganos olímpicos", apelido usado pelos colegas peruanos, é formado principalmente por britânicos e brasileiros e tem como missão reproduzir os acertos e evitar os erros das organizações dos Jogos do Rio, em 2016, e de Londres, em 2012. Nos quase seis anos de preparativos, o Peru atravessou um terremoto político.

Ollanta Humala, o presidente da época em que Lima foi escolhida para sediar o 18º Pan, em outubro de 2013, já passou pela cadeia e agora está com medidas restritivas enquanto se defende da acusação de ter recebido US$ 3 milhões (R$ 11,5 milhões) de caixa dois da Odebrecht.

Seu sucessor, Pedro Pablo Kuczynski, renunciou em março do ano passado e está em prisão domiciliar, também por envolvimento ilegal com a empreiteira brasileira.

Outros dois ex-presidentes foram afetados pelo escândalo: Alan García se matou em abril no momento em que seria preso, e Alejandro Toledo fugiu para os Estados Unidos.

A realização do Pan ficou ameaçada em março de 2017. Em meio a fortes chuvas que arrasaram a cidade de Piura, o Congresso chegou a discutir um projeto de lei para cancelar os Jogos, mas o governo nacional conseguiu desarmar a iniciativa.

Lima escolheu um bairro pobre para abrigar atletas na competição. Nada de Miraflores ou de outras áreas nobres e turísticas de Lima. Para abrigar os 8.570 atletas dos Jogos Pan-Americanos e Parapanamericanos, o Governo peruano decidiu erguer sua vila esportiva em uma das zonas mais pobres e emblemáticas do país, a Villa El Salvador (VES).

É como se a Vila Olímpica dos Jogos do Rio 2016 estivesse localizada na Rocinha em vez da Barra da Tijuca. "Na Villa El Salvador, me custou dois terços do que custaria o outro", disse o executivo.


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