O cenário mundial é de incerteza com a pandemia do novo coronavírus. Campeonatos interrompidos, salários atrasados e um impasse econômico no maior esporte brasileiro. No entanto, o contexto serve também para que se destaquem as gestões responsáveis, trunfo de Ceará e Fortaleza. No momento de crise, os representantes alencarinos na elite do futebol nacional contam com o equilíbrio para manter uma situação estável.
Os clubes atravessam a paralisação do calendário com cautela e, sim, se consolidam como sinônimos de administrações sustentáveis no futebol nacional. Reflexos de duas diretorias que priorizaram a quitação das dívidas do passado para pavimentar o presente e logo projetar um futuro longevo na Série A do Campeonato Brasileiro.
Com as principais receitas suspensas pela ausência dos jogos - como a bilheteria - a possibilidade de colapso econômico assusta os gigantes da elite nacional, que terão que tomar medidas mais drásticas. Afinal, o cenário é difícil para qualquer empresa, e também para os clubes de futebol. Guarany de Sobral, por exemplo, já rescindiu com todos os atletas. Mas isso não é algo cogitado no Pici e nem em Porangabuçu.
A ideia dos dois é de preservar o quadro de funcionários nos próximos meses. A informação é positiva. Juntos, Ceará e Fortaleza somam quase 600 funcionários. São precisamente 587 pessoas empregadas pelos clubes: 267 no Alvinegro e 320 no Tricolor.
Sem pânico
A perspectiva de turbulência até chega no Vovô, mas o impacto é calculado de forma diferente.
"A maioria dos clubes tem dívidas com os atletas. Esse passado, o Ceará não tem. Nossa situação é o presente e, hoje, temos tudo em dia, todas as contas, receitas, então nosso histórico de pagador é bom. Se partimos para uma solução individual, sem o consenso nacional, podemos resolver porque temos essa credibilidade e respaldo", explicou João Paulo, diretor financeiro do clube.
O diagnóstico de saúde financeira deixa o Alvinegro com caixa para sustentar o funcionamento do clube por completo durante os próximos meses, sem abdicar de salários ou dívidas - como as parcelas do FGTS e do Profut, quitadas com rigor. Segundo o presidente Robinson de Castro, o custo mensal de manutenção da instituição é de aproximadamente R$ 5 milhões - valor mínimo necessário.
E o laudo é similar ao do Fortaleza. A segurança financeira o coloca à frente de parte dos concorrentes pelo trabalho de ascensão das últimas temporadas. Desde a saída da Série C, em 2017, o time trabalha para manter um elenco competitivo e ampliar a infraestrutura ao longo do ano.
Com custo mensal próximo de R$ 9 milhões para manter os serviços em plenitude, a cúpula tricolor trabalha no limite para segurar as contas e prepara um estudo a fim de reduzir os gastos no atual cenário. Como renda fixa, o time ainda soma verba das cotas televisivas, patrocínio e sócio-torcedor.
"Temos todos os tributos fiscais em dia, seja municipal, estadual ou federal. Arcamos com as dívidas trabalhistas também para fazer da gestão algo profissional. E os jogadores são felizes, temos respaldo pela boa relação com eles. Se o calendário não voltar logo vai ficar difícil para todos, mas a nossa situação é um pouco melhor sim", aponta Maurício Guimarães, diretor financeiro do Fortaleza.
Medidas para o futuro
Tanto Ceará como Fortaleza já adotaram medidas para amenizar a situação nas próximas semanas. Ambos decidiram por dar férias aos atletas até o dia 20 de abril, com a possibilidade de ampliação por mais 10 dias.
O presidente do Fortaleza, Marcelo Paz, ainda comentou sobre os planos dos clubes brasileiros para o retorno às competições. Ele afirmou que vem conversando com outros dirigentes.
"Espero que as coisas se normalizem e os clubes possam voltar à atividade. Já adianto que os clubes em geral pensam em uma pré-temporada de pelo menos 12 dias quando a temporada recomeçar antes de voltar às competições", garante o dirigente.
Na contramão da crise
A principal aposta da Comissão Nacional de Clubes (CNC), em proposta efetuada à Federação dos Atletas Profissionais de Futebol, é de reduzir em 25% o salário dos jogadores enquanto perdurar a paralisação dos jogos. O grande impasse é que muitos têm dívidas ativas com os elencos.
O fato é que os jogadores não aceitam nenhum tipo de redução de salário no período em que os campeonatos estiverem paralisados. Com isso, o impasse segue por enquanto. Há nova reunião na terça-feira (31). A tendência é que todos os clubes, assim como Leão e Vovô, acabem negociando individualmente as férias dos seus elencos e ganhem mais tempo para discutir o desconto salarial.
Bem à frente
Único pernambucano na elite, o Sport tem débitos com a Fifa e a Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) que ultrapassam os R$ 18 milhões. No Rio de Janeiro, Botafogo, Fluminense e Vasco atrasaram os salários em meio à realização da própria Série A.
A realidade também perdura em São Paulo, com o Palmeiras sendo o único que não atrasou na região, contra Corinthians, São Paulo e Santos. Rebaixado para Série B pela primeira vez, o montante da dívida do Cruzeiro supera os R$ 800 milhões.
Assim, o saldo cearense de organização e responsabilidade é refletido em solidez. Na crise, o equilíbrio se sobrepõe e coloca Vovô e Leão acima de instituições do eixo Sul-Sudeste, que angariam até maiores fontes de receita.
A resposta é ao CEP por vezes renegado. A dupla auxilia na inversão do fluxo tradicional, que já começou. Com melhorias estruturais, cuidado financeiro e torcidas de massa, o futebol local assume a condição de protagonista e se fortalece no contexto nacional.