Cearenses possuem visões distintas sobre projeto de Clube-Empresa

Proposta tem avançado na Câmara dos Deputados e pode gerar grandes mudanças no cenário econômico do futebol brasileiro. Modelo não atrai Ceará, mas Fortaleza aguarda desenrolar do projeto para avaliar detalhes

Legenda: Ceará e Fortaleza tem gestões responsáveis e estão juntos na Série A
Foto: FOTO: THIAGO GADELHA

Desde o ano passado, tem tramitado na Câmara dos Deputados um processo que pode mudar para sempre o futebol brasileiro. Caso avance e seja concretizada, a possibilidade de permissão que os clubes de futebol se transformem em empresas pode impactar o cenário econômico do esporte no País mais do que muitos torcedores possam imaginar.

Tal projeto, entretanto, é visto de forma diferente por Ceará e Fortaleza, principais clubes do Estado e que estão na Série A do Brasileiro.

O projeto inicial, de autoria do deputado federal Pedro Paulo (DEM-RJ) e que tem apoio do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), propõe que, no lugar da associação sem fins lucrativos, modelo adotado por quase todos os clubes de futebol no País hoje, entrem em campo as sociedades anônimas ou limitadas, modelo de muitas empresas de diversos segmentos.

O clube que optar por esta troca terá a condição de negociar ações e poderá ter um dono ou sócios investidores, dependendo do modelo que escolherem. Algo que não ocorre hoje, tendo em vista que, atualmente, o que existe é a figura do presidente, que é escolhido em eleições de conselheiros (caso do Ceará) ou sócios (como no Fortaleza). Na maioria das equipes no futebol brasileiro, a administração é conduzida pela diretoria e pelos conselheiros.

Há, entretanto, outros poréns. Para que isso seja escolhido pelos clubes, o deputado quer oferecer uma série de benefícios, como recuperação judicial, novo refinanciamento de dívidas fiscais, fundo garantidor para clubes endividados e equiparação da tributação entre associações e empresas, por exemplo.

Como afirma o jornalista Rodrigo Capelo, especializado em negócios do esporte e blogueiro do Globoesporte.Com, as regras formuladas pelo parlamentar permitiriam que um clube possa transferir todas as suas dívidas da associação para a empresa. A partir daí, as dívidas poderiam ser reestruturadas por meio do mecanismo da recuperação judicial, que já funciona para empresas convencionais.

Os clubes que entrarem em recuperação terão todos os bloqueios e penhoras suspensos por seis meses. Neste período, precisarão trabalhar em um Plano Global de Recuperação Judicial a ser submetido a credores como ex-funcionários e fornecedores.

Na prática, este mecanismo permite que haja um calote de grande parte da dívida, desde que os credores aceitem o plano proposto pela empresa.

"(O projeto) se apoia nessas possíveis vantagens para dizer que os clubes não vão virar empresas naturalmente, então é oferecido um pacotão de benefícios para que sejam estimulados a trocar associação por empresa. Isso pode ser um regresso, um atraso. Além de uma imoralidade. Oferecer mais uma vez desconto pra quem não pagou imposto é uma imoralidade", destaca Rodrigo Capelo, ressaltando ainda os danos que isso pode ter ao mercado.

"Tem um monte de mudanças em pontos específicos para facilitar a vida do dirigente que não pagou. Tem algumas distorções colocadas estrategicamente e quem entrar em recuperação judicial nesses moldes, vai causar danos no mercado", alerta o especialista.

Visões distintas

Principais clubes de futebol do Estado e participantes da Série A do Campeonato Brasileiro, Ceará e Fortaleza possuem visões distintas do tema.

No Alvinegro, a possibilidade é totalmente refutada, principalmente pelo fato que o clube praticamente não detém dívidas (sem nenhuma trabalhista ou cível, apenas tributárias e que estão equacionadas) e possui a interpretação que o projeto, da forma como está sendo proposto, mais beneficiaria outros clubes que não honraram compromissos.

"O Ceará está fora (desse modelo). Não interessa. Não tem nenhum sentido pra gente, até porque pagaríamos impostos como outra empresa qualquer. A preço de hoje, do jeito que está sendo proposto, só vai querer quem está quebrado", disse o presidente do Vovô, Robinson de Castro.

Já no Tricolor, a possibilidade é vista de forma mais aberta, mas não como algo que irá gerar uma imensa revolução.

"Eu acho que essa questão é algo que pode ser bom, interessante que a legislação avance e que possa ter uma flexibilidade. Mas não é pensar que o clube vai virar empresa e tudo vai melhorar. Não é assim. Tem muitos clubes que não são empresas e são administrados como empresa, o Fortaleza é um deles. Tem gestão, planejamento estratégico, remunera seus executivos, tem meta, objetivos, então funciona como uma empresa", destacou o presidente Marcelo Paz.