Cearense Ari é o primeiro negro a defender a seleção da Rússia na história

Com uma carreira consolidada na Europa, o atacante de 32 anos venceu o preconceito dentro de campo, conseguiu estabilidade financeira e sonha com retorno ao Estado do Ceará

No início, um vendedor de frutas no bairro Vicente Pinzón, em Fortaleza. Como muitas crianças da periferia, o trabalho surgiu desde cedo; o estudo, em segundo plano. Só que Ari carregava consigo um sonho comum e realizado por poucos: vencer no futebol.

Com a rotina apertada, os primeiros passos da carreira foram traçados no Fortaleza Esporte Clube. O talento então foi lapidado e as categorias de base se tornaram pequenas para quem perseguia a mudança de vida na modalidade mais popular do mundo.

Aos 32 anos, Ariclenes da Silva Ferreira então conseguiu escrever seu nome no esporte como nenhum outro. O cearense se tornou o primeiro negro a atuar pela Seleção Russa de futebol ao entrar em campo em um amistoso na última quinta-feira (15) diante da Alemanha. A vitória existiu também sobre a intolerância, uma vez que o jogador foi vítima de racismo por parte de torcedores no país.

Promovido ao profissional em 2005, Ari se sagrou campeão cearense no mesmo ano e fez parte do elenco tricolor que disputou a Série A do Campeonato Brasileiro. Opção frequente do banco de reservas, foi na Europa que o atleta atingiu outro patamar, se tornando artilheiro e ídolo por onde passou. Desde então, são 13 anos no exterior, cinco clubes no currículo (Kalmar-SUE, AZ Alkmaar-HOL, Spartak Moscou-RUS, Lokomotiv Moscou-RUS e Krasnodar-RUS) e os títulos de campeão nacional na Holanda, Suécia e Rússia, além de uma copa no país sede do último mundial.

"Num primeiro momento eu não estava acreditando. Demorou um pouco para a ficha cair. Toda criança que quer ser jogador de futebol sonha em jogar pela seleção um dia, e eu também tinha esse sonho. A Rússia me acolheu muito bem nesses quase nove anos que vivo aqui. Me sinto em casa. Mais do que isso, me sinto parte daqui e criei raízes. Essa convocação é uma realização pessoal de um ciclo que se completa no país", declarou o atacante.

Sonhos maiores

"A meta é os 40 anos". Foi assim que Ari definiu o seu maior objetivo no esporte. Morando com a família em solo russo, o atacante de dupla nacionalidade vive o melhor momento na carreira e espera disputar, pelo menos, a próxima Eurocopa com a Seleção Russa, que acontece em 2020.

O jogador vivia a expectativa de estar na convocação final da Rússia neste Mundial, mas um atraso no passaporte e a demissão do técnico italiano Fabio Capello atrapalharam um sonho de criança. Apesar da frustração, o foco foi ainda maior dentro de campo, onde Ari já acumula 11 jogos, sete gols e quatro assistências na atual temporada.

"Tive muita tranquilidade até porque não havia nada concreto. Sabia que a documentação poderia demorar mais do que o esperado. Além disso, estava me recuperando de uma cirurgia no joelho e o treinador da seleção na época disse que estava acompanhando meu trabalho, mas não que eu estaria garantido na Copa. Fiquei com os pés no chão e ciente de que Deus sabe o tempo certo das coisas", afirmou.

Fora de campo

Mesmo distante de casa, Ari nunca abandonou suas origem na terra natal. Consolidado na Europa, o cearense organiza ações sociais no bairro em que cresceu e também se tornou o arrendatário do Atlético Cearense (ex-Uniclinic), com opção de compra da instituição para 2020.

Sem visar o lucro com a equipe que disputa a 1ª divisão do Campeonato Estadual, o atleta deseja ajudar jovens que sonham em se tornar jogadores de futebol profissionais. Através da empresa Arigooll, o cearense atua também como empresário das promessas da base.

"Minha intenção é realizar os sonhos de muitos jovens. Pretendo descobrir novos talentos no futebol cearense, dar oportunidades para que estes atletas se desenvolvam a ponto de ter condições de jogar em grandes clubes do Brasil e do exterior", finalizou.

Retorno ao Brasil

Mesmo tendo se tornado um dos principais nomes do futebol russo, Ari revelou que tem planos de voltar ao Brasil para o encerramento da carreira e, quem sabe, até defender mais uma vez o Fortaleza, clube que o revelou, ou o próprio Flamengo, time do coração. Sempre acompanhando as partidas do Campeonato Brasileiro, o atleta diz torcer por um Clássico-Rei na Série A do próximo ano.

"Fiquei muito feliz com esse retorno do Tricolor. Fica agora minha torcida para que o Ceará consiga se manter na Série A nessas últimas rodadas. O torcedor cearense merece um clássico estadual na primeira divisão no ano que vem", ressaltou.