Carlos Augusto Viana

Vinícius de Moraes, (RJ, 1913; RJ, 1980) embora haja se tornado popular a partir de suas parcerias com o talento de compositores, tais como: Tom Jobim, Francis Hime, Chico Buarque, Toquinho, a que se acrescentam outros parceiros ocasionais, alcançou, também, a glória nacional como poeta. Se, numa primeira fase, seus textos assumiram um tom metafísico, cuja essência implicava um conflito entre os desejos do espírito e os da carne, mesclando remorsos, arrependimentos, tudo através de uma linguagem nebulosa, plena de imagens etéreas: “Na manhã infinita as nuvens surgiram como a loucura numa alma/ e o vento como o instinto desceu dos braços das árvores que estrangularam a terra”; num segundo momento, aproxima-se do cotidiano, desenvolvendo temáticas de natureza social e política e, principalmente, cantando o amor erotizado, num lirismo de exaltação da mulher como figuração plástico-sensual, em sua irresistível sedução: “Essa mulher que a cada amor proclama/ a miséria e a grandeza de quem ama/ e guarda a marca dos seus dentes nela; / essa mulher é um mundo! - uma cadela/ talvez... - mas na moldura de uma cama/ nunca mulher nenhuma foi tão bela!”

Compositor que cantava, Vinícius de Moraes deixou canções inesquecíveis: “Chega de saudade”; “Felicidade”; “Se todos fossem iguais a você” - em parceria com Tom Jobim; “Marcha da quarta-feira de cinzas”; “Minha namorada” - em parceria com Carlos Lyra; “Samba em prelúdio”, “Berimbau” - em parceria com Baden Powell; “Regra três”; “Tarde em Itapuã”, com Toquinho. Enquanto poeta e cronista, seus livros mais famosos são, respectivamente, “Antologia poética”; e “Para viver um grande amor”.

Há entretanto, uma outra faceta pouco conhecida desse artista: a sua paixão pelo futebol, presente, em especial, em suas crônicas ou poemas de circunstâncias. Ele próprio contou que, uma vez, poucos dias antes de voltar ao Brasil (havia cinco anos que residia em Los Angeles, EUA) esteve na casa de um gringo muito simpático e podre de rico, um tal de Mr. Buster. Pois bem. O magnata não compreendia como é que ele, Vinícius, abdicava do direito de permanecer mais um ano na Califórnia, preferindo, não obstante o prejuízo financeiro, voltar para a “Latin América”, como aquele falava. Ocasião em que Vinícius, em poesia, perguntou-lhe - antes, ressaltando todo o mundo de conforto e bem-estar que o dinheiro proporcionava ao rico americano - em tom bem brasileiro: “Mas me diga uma coisa , Mr. Buster, me diga sinceramente uma coisa, Mr. Buster: o Sr. sabe lá o que é um choro de Pixinguinha? O Sr. sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal? O Sr. sabe lá o que é torcer pelo Botafogo?

E foi, exatamente, a paixão pelo Botafogo e a reverência a um dos maiores de seus ídolos, Mane Garrincha, que lhe inspiraram, evidentemente, um soneto de rara beleza:

O anjo das pernas tortas
A um passe de Didi, Garrincha avança
Colado o couro aos pés, o olhar atento
Dribla um, dribla dois, depois descansa
Como a medir o lance do momento.
Vem-lhe o pressentimento; ele se lança
Mais rápido que o próprio pensamento.
Dribla mais um, mais dois; a bola trança
Feliz, entre seus pés - um pé-de-vento!
Num só transporte a multidão contrita
Em ato de morte se levanta e grita
Seu uníssono canto de esperança.
Garrincha, o anjo, escuta e atende: - Goooool!
É pura imagem: um G que chuta um O
Dentro da meta, um L. É pura dança!