Luto dos meus pais: como lidar com a saudade

Opinião da psicóloga Ana Ecilda Lima Ellery, psicóloga clínica, doutora em saúde coletiva

Escrito por Ana Ecilda Lima Ellery ,
Legenda: Rituais fúnebres cumprem importante função para os enlutados aceitarem a realidade da perda, diz psicólogo
Foto: Natinho Rodrigues/SVM

Dizer adeus a pessoas amadas, como os pais, é sempre uma tarefa dificil, por serem eles que nos deram a vida, constituindo-se em nossas referências mais primárias. Na maioria dos casos, foram eles que estiveram ao nosso lado em momentos desafiantes, no nosso processo de autonomia e crescimento. A ligação entre pais e filhos é sempre muito forte, mesmo naqueles casos em que os relacionamentos são dificeis.

Por isso, a perda dos pais, em geral, é sempre muito temida pelos filhos. Imagine quando a morte de um dos genitores ocorre num momento complexo, como o da pandemia do Covid-19, em que o processo de dizer adeus aos entes queridos está prejudicado, pelo risco da contaminação. Neste cenário, os filhos não têm condições de vivenciar os rituais do velório, do enterro, das celebrações religiosas.

Referidos rituais cumprem importante função para os enlutados aceitarem a realidade da perda. Poder ver o ente querido morto e viver estes momentos onde podemos chorar, receber o carinho de familiares e amigos, contar as histórias pitorescas da pessoa falecida contribuem no processo de elaboraçäo da perda. A morte se torna mais acessivel de ser trabalhada em nossa consciência quando säo fornecidos simbolos que ajudam na passagem por este momento da vida tão complexo.

Os rituais pós-morte marcam a transição do ciclo de vida, oferecendo às pessoas enlutadas a sensação de pertencer a um sistema familiar, a uma cultura, possibilitando a expressäo do que näo se consegue verbalizar. Facilita, assim, a maturação psicológica e social diante da perda e da saudade. Uma questão se apresenta entäo: como evitar que o processo de luto se complique num momento em que as questões sanitárias se impõem e os rituais são bastante reduzidos? Como os que ficam podem lidar com a saudade dos seus entes queridos?

Primeiro, sugerimos que a pessoa enlutada acolha a própria dor, se permita chorar, falar sobre a pessoa falecida, contar suas histórias, dando vazão aos sentimentos naturais num processo de perda. Alguns aplicativos (google meet, zoom, skype) permitem encontros virtuais das familias, onde podem fazer suas celebrações, conforme suas crenças.

Um aspecto a ser observado por familiares e amigos que, no intuito de consolar a pessoa enlutada, costumam dizer frases, como ”isso vai passar; foi melhor assim”. Afirmações desta natureza, mais do que consolar, podem inibir a expressäo da dor, da indignação com as circunstâncias da morte do ente querido. O melhor a ser feito é acolher, dar continência à dor do outro e confiar que, ao seu tempo, a pessoa enlutada irá compreender e aceitar a perda.

Outro aspecto que dificulta a elaboração da perda são as “questões inacabadas” entre o familiar e a pessoa falecida, que podem contribuir para lutos complicados, transtornos emocionais ou manifestações psicossomáticas. Sentimentos de culpa podem estar presentes, aumentando a dor da perda e a saudade.

Nestes casos, a pessoa enlutada pode escrever uma carta, expressando sentimentos, fazendo suas despedidas, esclarecendo aspectos que sente necessidade de expressar, de pedir perdão. Isto pode ajudar a pessoa enlutada a integrar pensamentos e sentimentos, podendo acarretar sensação de resolução. Esssencial, ainda, é que aprendamos a aceitar nossas próprias dificuldades, nossas fraquezas e, assim, aprender a aceitar e perdoar as fraquezas das pessoas que estão ao nosso lado.

Ana Ecilda Lima Ellery
Psicóloga Clínica, Doutora em Saúde Coletiva
CRP 11/1361. 1

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