Dia dos Pais: cearenses usam habilidades artísticas para estreitar laços com os filhos na quarentena

Neste Dia dos Pais atípico, celebrado hoje (9), o ator e advogado Haroldo Guimarães, o músico Assun, o editor Nathan Matos e o multi-artista Oswald Barroso compartilham relatos sobre o poder do amor e do aconchego por meio dos ricos percursos do saber cultural

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: O ator e advogado Haroldo Guimarães com Maria Luísa, de um mês de vida: entre piadas e carinhos
Foto: Maria Cibely

Feito acontece com algumas das melhores coisas da vida, a escrita desta matéria também iniciou com uma surpresa. Ao convidar o ator cearense Haroldo Guimarães para uma entrevista sobre como tem sido exercer o papel de pai nesta quarentena, o repórter que vos fala foi solicitado a parar o que estava fazendo e realizar uma chamada de vídeo. “É rapidinho, coisa de 20 segundos, só pra você ver como estou aqui”, prometeu Haroldo.

Dito e feito: num tempo tão rápido quanto precioso, o artista e advogado exibiu-se engravatado, sentado em frente ao computador, trabalhando com um bebê no colo. “Acho que podemos começar a conversa assim”, riu. Registramos o momento em fotografia e, pouco depois, Guimarães detalhou aspectos contemplando o intento da reportagem. 

Legenda: Registro de como a conversa com Haroldo Guimarães para esta matéria iniciou
Foto: Reprodução

Todo momento tem sido muito especial porque todo dia ela faz uma coisa que não fazia antes. Diariamente fica mais esperta, fixa e segue mais com o olhar, endurece mais o pescoço, dá gritinhos. E eu só vou ver isso estando perto”, diz, ao mencionar as trocas com a filha, Maria Luísa, de apenas um mês de vida.

Pai de primeira viagem, Haroldo situa ter ouvido antes que estar no lugar que ocupa hoje seria fantástico, cansativo e que daria a vida pela rebenta. Tudo se confirmou. “Mas sentir é diferente de saber. O aprendizado só se aperfeiçoa assim, com experiência e sensação. Ser pai pra mim, então, é aprender, vivenciando, como nasce e se desenvolve o maior amor possível”.

Legenda: Haroldo afirma que todo momento com a filha tem sido especial porque diariamente ela faz uma coisa que não fazia antes
Foto: Maria Cibely

Destaque pela veia humorística em filmes como “Cine Holliúdy” e “O Shaolin do Sertão”, ambos dirigidos por Halder Gomes, o ator também dimensiona como tem utilizado as habilidades artísticas para estreitar os laços com Maria Luísa durante o isolamento compulsório, em face da pandemia do novo coronavírus. “Eu canto e converso com ela. Numa dessas oportunidades, me peguei fazendo piada com a política nacional e resolvi colocar no Instagram. Foi aquele sucesso”, afirma.

“Nesse primeiro mês de vida, o mais importante é a minha voz, meu braço, meu contato e fazê-la se sentir segura. A vivência toda está se resumindo a mostrar que ela pode contar comigo, que não há razão para temer nada, e que ela pode ter, através de mim, todo o conforto e segurança possíveis”.

Em ritmo de ternura

O músico cearense Assun também recebeu nosso convite para compartilhar, neste Dia dos Pais atípico, celebrado hoje (9), como tem sido a vivência com o filho Gael, de cinco anos, num momento de intensificação do contato em casa. Segundo ele, a música está presente na relação dos dois do despertar ao anoitecer.

“Gael é muito desenvolto musicalmente. Desde a barriga, ele mexia muito quando a mamãe ia aos shows. Tinha dois meses quando foi ao primeiro”, relata.

Agora, já maior, o rebento aprende com o pai a tocar bateria, teclado, guitarra, violão e kazoo, num ritmo de ternura e beleza. Eles também cantam no chuveiro e fazem canções com objetos, brincam de rimar, assistem a shows e mergulham em aplicativos musicais no celular.

Legenda: Com o pai, o músico Assun, Gael aprende a tocar bateria, teclado, guitarra, violão e kazoo
Foto: Gabriela Padilha

Para Assun, Gael deve lembrar desse período de confinamento no futuro como uma época em que o pai esteve em irrestrita presença.

“Sou professor em tempo integral, então passava o dia fora de casa, educando outras crianças e dedicando mais tempo aos filhos de outras pessoas do que ao meu próprio filho. E isso mudou bastante”, observa. “Antes da pandemia, eu tocava à noite e, às vezes, de madrugada, sempre depois que ele dormia. Com o trabalho e as aulas remotas, surgiu a oportunidade de tocar mais com meu filho, junto a seu desenvolvimento e talento nato”.

Recentemente, o músico fez uma comovente publicação nas redes sociais contando que cresceu sem nenhum incentivo para a arte, acreditando que estar nesse meio não era a melhor opção. No posto de pai, quer fazer o oposto com Gael. 

“Cada vez que ele aprende uma coisa nova, pra mim é especial. Ele é outra criança desde que o isolamento iniciou. Estamos em outro nível de relação, bem mais próximos. Mas se for para escolher um momento mais simbólico, foi o que ele tocou pela primeira vez na bateria completa. Fiquei emocionado, pois minha primeira bateria eu fiz quando tinha 12 anos, e era de madeira e panelas. Meu filho tem cinco anos e toca numa bateria de verdade. Esses presentes da vida são imensuráveis”, emociona-se.

Legenda: "Ele é outra criança desde que o isolamento se iniciou, estamos em outro nível de relação", diz Assun sobre contato com o filho na pandemia
Foto: Gabriela Padilha

Amor entre palavras

Residente em Belo Horizonte (MG), mas filho da terrinha, o editor Nathan Matos igualmente enxerga em Olivia, de dois anos, um farol para disseminar carinhos e saberes, sobretudo por meio das palavras. Ele tem tentado ler sempre que possível ao lado dela, executando um interessante método: pegando livros que a pequena lia quando tinha somente alguns meses e mostrando à filha novamente agora, um pouco mais crescida. 

“É sempre uma releitura e, para bebês, é incrível como tudo é sempre novo. Mas, pensando bem, tenho chamado ela pra também me ajudar a tirar livros de um lugar e colocar em outros. Querendo ou não, ela participa dos movimentos de organização aqui em casa”, detalha.

Feito Gael, que já tão cedo despertou para a música, Olivia também está envolta por livros desde os primeiros momentos de vida, tendo em vista que Nathan e a esposa, Camila Araujo, sempre leram para ela. Não à toa, os pais criaram o perfil @bibliotecadaoli, no instagram, para registrar o contato e a reação da miúda diante do encontro com obras em brochura.

Legenda: Ao lado do pai, o editor Nathan Matos, Olivia aprende a mergulhar nos livros desde cedo
Foto: Camila Araujo

Tem livro que dá pra levar pro banho e ela tem estantes ao alcance dela desde sempre, uma minibiblioteca. Agora, abri um espaço na minha própria estante, em uma das prateleiras mais próximas do chão, e coloquei alguns livros dela ao lado dos meus. Ela vai lá e escolhe o que deseja ler, e me chama ou a mãe dela”, contextualiza.

O editor situa a dificuldade de elencar algum momento mais especial vivenciado ao lado de Olivia, visto que todo dia ela o surpreende. Mas afirma, com todas as letras, que ser pai é a melhor coisa que já lhe aconteceu. “É clichê, mas é isso. Nunca imaginei que o amor fosse isso. O meu universo é a minha filha e agora entendo o que um pai ou uma mãe sempre estarão dispostos a fazer em prol de seus filhos e filhas”, diz, no posto de estreante na função.

“Talvez uma maneira de ressignificar a data nesse contexto de pandemia seja os pais começarem a dizer a seus filhos, e os filhos dizerem a seus pais, que os amam. Muitas vezes, sabe-se que seu pai te ama, mas demora décadas pra ouvir ele falar isso em voz alta para você e vice-versa. É preciso proferir porque a palavra pode ser crueldade, como diria a poeta Orides Fontela, mas também pode ser uma libertação para a amabilidade”, percebe.

Legenda: "Nunca imaginei que o amor fosse isso", diz Nathan Matos sobre relação com a filha, de dois anos
Foto: Camila Araujo

Pai e além

Genitor de Pedro Ângelo, 40, artista visual e design gráfico; João Victor, 38, músico e compositor; e de Raoni, 7, artista e filósofo precoce, o multi-artista Oswald Barroso já ultrapassou o ser pai, ocupando o posto duas vezes: é também avô. Os netos são Bernardo, Vicente e Gabriel, respectivamente com oito, cinco e quatro anos.

Nesta quarentena, o contato com os de menor idade tem se dado sobretudo pela internet, por meio das chamadas de vídeo. “O mais novo deles, que mora em Brasília, já fez até um desenho para mim”, diz, orgulhoso. 

Legenda: O filho João Victor, 38, o neto Vicente, 5, e o filho Raoni, 7, com o multi-artista Oswald Barroso: parte da numerosa família
Foto: Andrea Jerônimo

O enlace com os filhos também tem acontecido de forma virtual, motivo de acaloradas trocas de vivências e trabalhos. “No momento, estou escrevendo minhas memórias, pegando exatamente uma época na qual meus dois primeiros filhos nasceram, década de 1980. Além de consultar-lhes, tenho passado os resultados dos escritos para ambos, assim como lhes dado tarefas”, menciona, ao colocar Pedro  Ângelo para editar as obras que publicará em e-book, por exemplo. Já com João Victor, tem conversado sobre as composições que o filho está fazendo, para o cinema e as artes cênicas, principalmente. 

Por sua vez, com o rebento mais novo, Raoni, tendo em vista estar confinado com ele, adianta que as partilhas são mais intensas. “Trocamos leituras de histórias infantis, vemos filmes e ouvimos música juntos. Ele gosta muito de desenhar e até de escrever histórias. Sempre me mostra os resultados. Além disso, estuda com a mãe (eu ajudo), joga vídeo game (às vezes, eu acompanho) e estamos sempre trocando ideias filosóficas”, conta Oswald.

Legenda: As habilidades do filho mais novo de Oswald, Raoni, tem sido acompanhadas de perto pelo pai durante a quarentena
Foto: Arquivo pessoal

Filho do poeta Antônio Girão Barroso (1914-1990), Oswald diz que aprendeu com a referência paterna a ser doce com os filhos, dar exemplo a eles de trabalho, amor às artes e ao estudo.

“É o maior presente que Deus pode nos dar. Se eu não tivesse tido filhos, os adotaria, como já adotei como filhos quatro gatos, quatro cachorros, um coelho e uma pequena galinha”, conclui, alargando os componentes de uma família afoita à cultura e ao amor.

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