Desacelerando a felicidade compulsória da 'vida normal'

Emerge para alguns um momento ímpar de pausa, silêncio e confronto consigo mesmo, que interroga o sentido desse “normal”.

Escrito por Fátima Severiano ,
Foto: Paulo Alberto/SVM

Em face da pandemia do coronavírus que se alastrou de forma nefasta e avassaladora por todo o planeta, um apelo se ouve na surdina dos dias confinados: “quero minha vida normal de volta”. Apelo justo, diante das transformações abruptas do nosso “normal cotidiano”, afetando todo o mundo da vida: psíquica, social, cultural, educacional, ambiental, jurídica, econômica e temporal.

No que concerne à esfera psicossocial, o atravessamento desta crise nos confronta com toda sorte de afetos que eclodem constantemente: por um lado há uma exacerbação do desamparo, medo e insegurança frente às incertezas do futuro, o que nos impele à suplicar pelo retorno do “normal”. Por outro lado, emerge para alguns um momento ímpar de pausa, silêncio e confronto consigo mesmo, que interroga o sentido desse “normal”.

Convido, então, a que se busque, nesta brecha de tempo, olhar para dentro e para o fora que há dentro de nós, no intuito de questionar as anteriores constantes demandas por produção, aceleração e consumo, como ideal inquestionável a ser atingido, com vistas ao reconhecimento de si e do outro. Importa agora reavaliar os sonhos, reconhecer os desejos e limites próprios, abrir janelas para a criatividade, a solidariedade e o viver com sentido, desacelerando a felicidade compulsória e a euforia perpétua, sempre exigida e nunca alcançada.

Talvez, assim, se possa sair do outro lado deste confinado túnel habilitados para muitas vidas outras, que não necessariamente a “normal”.

 

Fátima Severiano
Psicóloga Clínica – CRP 11/202
Professora aposentada da Pós-Graduação em Psicologia da UFC 

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