Dona de apartamento no São Pedro há 35 anos não foi avisada de demolição: ‘pago IPTU e taxa do lixo’

Os proprietários têm direito proporcional à quantidade de imóveis; Prefeitura afirma ter comunicado sobre a demolição para representante dos sócios e síndico do imóvel

Escrito por Lucas Falconery , lucas.falconery@svm.com.br
Legenda: Fátima acumula dúvidas sobre o ressarcimento do imóvel que será demolido
Foto: Thiago Gadelha

Quando a aposentada Maria de Fátima Vieira, 67, comprou um apartamento no Edifício São Pedro, na Praia de Iracema, em Fortaleza, em 1988, não imaginava ser surpreendida com a demolição do prédio por problemas estruturais 35 anos depois. Na manhã desta terça-feira (5), viu a movimentação no local e soube da notícia pela TV.

Apesar da degradação na fachada do São Pedro há mais de uma década, em 2019, o apartamento de Fátima estava em boas condições, como ela diz ter avaliado durante uma visita. Conforme a proprietária, o imóvel de 200 m² estava alugado até 2018.

"Eu acho que deveriam ter comunicado a gente, porque eu tenho a matrícula e a escritura. Ainda estou pagando o imposto da União, IPTU, taxa do lixo", acrescenta. São R$ 1,5 mil do imposto de Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e R$ 400 da Taxa de Manejo de Resíduos Sólidos. 

Legenda: Taxas pagas pela proprietária
Foto: Acervo pessoal

Em 2019, o destino do Edifício São Pedro motivou reuniões entre os moradores e o Governo do Estado. Fátima explica que 70% da estrutura pertence à família Philomeno Gomes. Outros 23% são de outro proprietário. O restante é distribuído entre 7 donos minoritários.

Um projeto de intervenção foi feito para preservar a área externa do Edifício São Pedro com a construção de uma nova estrutura no “miolo” do prédio.

"Até 2019 eu vinha de Portugal para ter reuniões aqui e quem dificultava era a Prefeitura, diziam que tinha de deixar o balcão e fazíamos um novo projeto, quando estava tudo pronto a Prefeitura vinha e dizia que tinha mais algo para fazer", contextualiza Fátima.

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Não saber como vai ser ressarcida pelo imóvel é motivo de angústia para a proprietária. "Você compra um bem para alguém vir se apossar? Não tem cabimento. Quando ia sair um projeto, eu ficaria com um apartamento ou eles me pagariam", frisa.

O grupo de pequenos proprietários busca respostas sobre o que será feito em relação ao patrimônio.

"Nunca precisamos ser acompanhados por advogados, porque sempre tínhamos reuniões com o governo. A decisão, até 2019, era surgir um novo (prédio) por dentro. Por sinal, era para ter começado a construção em dezembro daquele ano", lembra.

Legenda: A proprietária do apartamento cobra respostas da Prefeitura de Fortaleza
Foto: Thiago Gadelha

O Diário do Nordeste buscou a Procuradoria Geral do Município para entender como aconteceu a articulação com os proprietários, se todos devem custear a demolição e quantos estão cadastrados como donos do Edifício São Pedro.

Em nota, a PGM informou que “diante da omissão dos proprietários do Edifício São Pedro, a Prefeitura de Fortaleza tomou a decisão de fazer a demolição da edificação e comunicou ao representante dos sócios e síndico do imóvel, conforme indicado no estatuto do edifício”.

Com relação ao ressarcimento, a PGM frisou que os proprietários devem custear a demolição. “O terreno é a garantia”, concluiu em nota.

Legenda: Pelo menos 16 pessoas em situação de rua usavam a estrutura do São Pedro para viver
Foto: Fabiane de Paula

Philomeno Gomes Neto, membro da família que possui a maior porcentagem do Edifício São Pedro, em entrevista ao Diário do Nordeste, informou que houve diálogo em relação ao processo de demolição e os custos.

"A gente colheu algumas propostas de empresas especializadas, então, não existe um valor alheio e fora do mercado. Tem sido discutido com clareza e transparência", refletiu.

Direito dos moradores

Gilvando Figueiredo, presidente da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Estado do Ceará (OAB/CE), contextualiza que será necessário fazer a regularização imobiliária do São Pedro.

“Tem que resolver as questões fiscais, encontrar uma solução para a titularidade e, dentro dessa composição, todos os interesses vão ser colocados à mesa e as pessoas que têm direito devem ser contempladas”, explica.

A demolição do edifício deve custar R$ 1,7 milhão e o pagamento da empresa responsável será feito pela Prefeitura de Fortaleza, que deve cobrar uma restituição para os proprietários.

Legenda: Defesa Civil elaborou um relatório em novembro do último ano apontando a necessidade de interver na estrutura
Foto: Fabiane de Paula

“Da mesma forma que a gente pode dizer que os proprietários terão direito a uma cota a depender da proporção no imóvel, também vão ter que responder pelos custos imobiliários”, completa Gilvando.

Essa decisão, inclusive, surpreendeu não só os proprietários como também os moradores de Fortaleza. Contudo, o presidente da comissão detalha que é necessária uma decisão judicial para embasar a demolição.

“Para todo e qualquer ato demolitório, a fundamentação máxima é o risco à vida das pessoas, mas só depois das respectivas decisões da justiça uma medida como essa é adotada”, conclui.

Edifício São Pedro será demolido 

A demolição do Edifício São Pedro foi anunciada pelo prefeito José Sarto (PDT), na noite dessa segunda-feira (4), devido ao "grande risco de desmoronamento", como definiu o gestor. O prédio foi instalado em 1951 como Iracema Plaza Hotel, sendo considerado o “Copacabana Palace cearense”.

As obras devem durar 90 dias e a intervenção no prédio será executada de cima para baixo. Os escombros serão levados para um terreno ao lado do local para, posteriormente, serem reciclados. A área próxima ao imóvel já foi isolada pela Guarda Municipal.

Na última sexta-feira (1°), foram retiradas 16 pessoas em situação de rua que estavam vivendo no local. Todos aceitaram deixar o lugar no mesmo dia e receberam abordagem para ter acesso ao aluguel social ou ir para outros abrigos.

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