Entenda por que rios do CE secam após as chuvas, mas não trazem impacto negativo no abastecimento

Brasil passa pela maior seca em extensão e intensidade em 70 anos, conforme o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, mas Ceará atravessa momento “tranquilo”

Os meses de fevereiro a maio no Ceará representam bom aporte nos açudes do Estado, a partir do maior volume de chuvas que caracteriza o período. A água também aumenta o nível dos rios que cortam o território cearense - mas esse patamar voltou a decair com o fim da quadra e início da temporada mais seca.

Para essa constatação, o Diário do Nordeste consultou o sistema Hidro-Telemetria, uma parceria da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) com o Serviço Geológico do Brasil (SGB), que possui 27 estações de monitoramento no Estado. 

Por meio dele, é possível acompanhar alguns dos principais rios do Ceará quase em tempo real. Equipamentos de coleta de dados armazenam leituras das cotas dos rios a cada 15 minutos, e transmitem esses dados via satélite a cada hora.

Conforme o monitoramento, nas estações do Rio Jaguaribe e seus afluentes, as cotas se elevaram entre março e abril. Já nas estações do Rio Acaraú e afluentes, as maiores chuvas com consequente elevação dos rios ocorreram entre fevereiro e abril.

Francisco de Assis Souza Filho, Cientista Chefe de Recursos Hídricos do Ceará, explica que o fenômeno não é anormal, como é o caso de outros grandes rios brasileiros que vêm registrando recorde negativo de acúmulo. A nível nacional, o Brasil passa pela maior seca em extensão e intensidade em 70 anos, conforme o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden)

“Os rios no Estado do Ceará apresentam intensa sazonalidade. Durante o primeiro semestre, quando ocorrem as precipitações, alguns deles têm vazões muito elevadas e podem ocasionar cheias. Por isso, reservatórios como o Castanhão foram construídos, com a função de controle de cheias”, inicia.

Por outro lado, no segundo semestre, boa parte dos grandes rios - como Acaraú, Jaguaribe e Curu - seca. Algumas exceções ficam nas serras do Maciço de Baturité, mas são “muito pontuais”. No geral, os rios do Estado são categorizados como intermitentes, dentro de três tipos de classificação:

  • Efêmeros: só escoam enquanto está chovendo
  • Intermitentes: escoam durante o período chuvoso, mesmo quando há um conjunto de dias sem chuva
  • Perenes: escoam durante todo o ano, como o São Francisco

Segundo Assis, o que diferencia os intermitentes dos perenes é o tamanho do aquífero ou do reservatório subterrâneo. “Quando há grande armazenamento no aquífero sedimentar, tem escoamento. Quando ele é menor, o rio seca rapidamente e se torna intermitente”, ilustra.

Para que os intermitentes escoem o ano todo, é necessário realizar alguma intervenção humana - ou seja, a perenização. Por meio dela, a vantagem do acúmulo de água em um período alimenta o outro mais seco.

“A construção de reservatórios transporta a água do primeiro semestre do ano, mais úmido, para o período seco. Ao fazer esse transporte, ela possibilita a liberação de água durante o período seco e garante o abastecimento das cidades, de áreas irrigadas e indústrias”, garante sobre o modelo utilizado até hoje no Estado.

Estratégias bem-sucedidas 

Flávio Nascimento, professor da Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), concorda que a açudagem se tornou o principal método para o Estado se adaptar e lidar com a seca ao longo da história. Ele lembra que mais de 90% do território cearense está no semiárido, o que dificulta a presença de grandes rios.

“Os grandes açudes são o principal meio de estoque de água e os responsáveis pela perenização de leitos ou vales. Uma vez acumulada, a água é liberada aos poucos para que eles não sequem completamente. E, como nesse ano tivemos chuvas acima da média, temos um aporte consideravelmente razoável”, entende.

51,6%
é o percentual acumulado atualmente nos 157 reservatórios monitorados pela Cogerh, de acordo com o Portal Hidrológico do Ceará.

Para o docente, a situação do Ceará não se compara em nível geral com o restante do Brasil, especialmente as regiões Norte e Centro-Oeste. Ele observa que elas não focam em grandes reservatórios para o acúmulo de água, logo dependem muito das chuvas e da renovação das águas dos rios.

No estado do Ceará, as barragens hoje são mais importantes do que a análise, investigação e monitoramento do volume dos rios. Você pode ter os açudes muito cheios e os rios secos, sem nada, porque as águas estão contidas e controladas. Isso depende de situações estratégicas, de planos de secas, mas isso tudo é delimitado, bem estudado e bem analisado.
Flávio Nascimento
Geógrafo e professor da UFC

Flávio avalia que o Ceará é um dos Estados que melhor conseguiu avançar na gestão de bacias hidrográficas e no gerenciamento de recursos hídricos. “Isso fez com que, mesmo que nós tenhamos experimentado recentemente quase uma década de seca, o Estado, de um modo geral, não passou por racionamento”, explicita.

Preparo da rede

No Ceará, a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) gerencia rios, canais e açudes. Quando o corpo hídrico é um rio, são monitorados a cota do nível de água, a profundidade da lâmina d’água, a vazão conduzida e o comprimento dos trechos perenizados (que receberam obras para não secarem periodicamente). 

No caso dos açudes, são monitorados a cota do nível de água, a área inundada e o volume de água armazenado. Independente do tipo, o coordenador de Infraestrutura Hídrica da Secretaria dos Recursos Hídricos do Ceará (SRH), Tiago Coelho, ressalta que “tudo é importante” quando se fala de água.

Hoje, a capacidade acima de 50% do volume dos açudes após o bom período de chuvas deste ano “dá uma tranquilidade para o Estado”, afirma ele. “Esse ano a gente está tranquilo”. 

No entanto, o coordenador elenca obras estruturantes para que a disponibilidade hídrica continue sem problemas num futuro próximo. São elas:

  • Cinturão das Águas do Ceará (CAC): dois lotes já estão prontos e há mais dois em andamento, que, com 45% já concluídos, devem ficar prontos até o final de 2025;
  • Malha D’água: desenvolvida na região do Banabuiú, que em breve deve chegar a 50% da execução;
  • Duplicação do Eixão das Águas: foi iniciado o trâmite de contratação para a obra, que deve trazer mais água do Castanhão para a Região Metropolitana de Fortaleza.