‘Crise do IJF’: hospital funciona com déficit mensal de até R$ 10 milhões, diz Conselho Municipal

Maior hospital municipal de Fortaleza precisaria de, pelo menos, R$24 milhões para manter funcionamento

Instituto Dr. José Frota (IJF), que passa por uma crise com falta de remédios, atraso salarial de profissionais e cancelamento de procedimentos, tem funcionado ao longo de 2024 com um déficit mensal que varia de R$ 8 milhões a R$ 10 milhões. A unidade custa as cofres públicos - Município, Estado e União - um total de R$ 866 milhões por ano, geridos pela Prefeitura de Fortaleza. 

As informações orçamentárias relacionadas ao IJF foram apresentadas durante reunião do Conselho Municipal de Saúde (CMSF), na última quarta-feira (27), em relatório produzido após uma visita ao Instituto. Conforme o documento, a direção do IJF alega que a verba atual de custeio por mês é de R$ 16 milhões, mas precisaria ser de R$ 24 milhões para garantir o funcionamento adequado. O déficit mensal milionário é apontado como o “grande problema de longo prazo” na unidade. 

A representação da direção do hospital teria alegado, ainda, que a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) negou a possibilidade de aumentar os recursos previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA), norma que dá as diretrizes sobre os principais investimentos a serem feitos no município.

Os valores pactuados, que chegam a cerca R$ 600 milhões, seriam insuficientes às necessidades do hospital. Somente a folha de pagamento requer R$ 512 milhões; já o custeio – com base na programação anual – demanda R$ 354 milhões. Logo, uma soma de R$ 866 milhões.

A reunião do Conselho ainda debateu o subdimensionamento da equipe de profissionais, uma problemática que atingiria todas as categorias do hospital. Dados do relatório apontam que, do quadro atual de 3.268 servidores, apenas 2.834 estão em exercício efetivo.

“A representação da direção afirmou que, diante da escassez de recursos, houve a necessidade de se ‘priorizar o que é urgente’, ou seja, precisando pagar-se insumos ou cooperativas, priorizava-se o pagamento dos insumos. Que não tiveram nenhuma promessa de solução do problema por parte da Prefeitura de Fortaleza”, indica o CMSF.

Claudio Ferreira, membro do Conselho, complementa que a entidade não recebeu informações quanto aos outros anos. "O que foi informado é que haviam despesas não pagas de anos anteriores", indica. Segundo o documento, as Despesas de Exercícios Anteriores (DEA) chegaram a mais de R$ 40 milhões.

Devido aos problemas de recursos, a gestão do IJF solicitou duas suplementações orçamentárias em 2024 para o Comitê de Gestão por Resultados e Gestão Fiscal de Fortaleza (Cogerfor), mas não obteve retorno positivo.

Os pedidos não atendidos, inclusive, são citados na Ação Civil Pública (ACP) ingressada pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), segundo confirmou a promotora de Justiça, Ana Cláudia Uchoa, em conversa com a reportagem. 

No desdobramento mais recente do processo, uma audiência de conciliação foi realizada para debater a situação do IJF, com a participação de representantes do Ministério Público, da Procuradoria Geral do Município e da Prefeitura de Fortaleza, na última terça-feira (26). O encontro determinou que a gestão municipal deve apresentar um plano de ação, até o dia 6 de dezembro, para tentar conter a crise.

Após a reunião, o secretário municipal da saúde, Galeno Taumaturgo, afirmou que a SMS solicitou aporte financeiro ao Ministério da Saúde. “Estamos no aguardo que o Ministério da Saúde se sensibilize", declarou.

O pedido feito a outro ente ocorreu porque, na prática, o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil é estruturado em um modelo tripartite, envolvendo recursos provenientes da União, dos Estados e dos Municípios.

A reportagem questionou à SMS e ao IJF qual é o custeio mensal do hospital, quanto a Prefeitura consegue aportar por mês e quanto se recebe mensalmente de recursos estaduais e federais para a unidade. Não houve retorno.

Também questionou à equipe de transição do prefeito eleito Evandro Leitão (PT) se o problema preocupa a nova gestão e se há propostas para que ele seja corrigido. Também não houve resposta até a publicação.

O que diz a Secretaria da Saúde do Ceará

Em nota à reportagem, a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) disse que repassa R$ 6 milhões mensalmente ao IJF, por meio da Política Estadual de Incentivo Hospitalar, que visa ampliar o acesso da população aos serviços de saúde. 

"Em seis anos, o Instituto recebeu do Estado R$ 285.790.735,74 (até novembro de 2024), valor destinado ao custeio geral da unidade", informou.

O que diz o Ministério da Saúde

Já o Ministério da Saúde declarou que não repassa valores diretamente aos serviços contratados por Estados e Municípios. Os valores são transferidos aos entes federados na modalidade fundo a fundo, sendo cada gestor local responsável pelo pagamento dos hospitais com os quais mantém contrato.

O Teto de Média e Alta Complexidade (Teto MAC), destinado ao custeio de ações e serviços de saúde de média e alta complexidade, é repassado mensalmente aos Estados e Municípios, de forma regular e automática. O último repasse feito do Ministério à SMS de Fortaleza, referente à parcela 11/2024, foi de R$ 66.772.881,01.

"Os Conselhos Municipais de Saúde são responsáveis por fiscalizar a aplicação dos recursos do fundo municipal de saúde pelos gestores locais", emendou a Pasta.

Aumento de verbas

Em meio à crise, o Projeto de Lei Ordinária nº 224/2024, que dispõe sobre a LOA 2025, já foi enviado pela Prefeitura de Fortaleza à Câmara Municipal com previsão de um aporte financeiro 13% maior para o IJF. Se a norma for aprovada, o hospital pode receber quase R$ 730 milhões.

Conforme levantado pelo Diário do Nordeste junto ao Portal da Transparência da Prefeitura, este é o maior valor dos últimos cinco anos. O montante, porém, continuaria abaixo do total necessário para custear a unidade.

  • 2020 - R$ 496.297.038
  • 2021 - R$ 621.039.036
  • 2022 - R$ 586.710.006
  • 2023 - R$ 630.918.237
  • 2024 - R$ 643.945.996
  • 2025* - R$ 729.554.125