CE pode ter 3 mil casos de câncer de próstata ao ano; entenda divergência sobre rastrear a doença

O rastreamento populacional da doença não é recomendado pelo Ministério da Saúde, enquanto a Sociedade Brasileira de Urologia indica a realização dos exames a partir dos 50 anos — ou 45, se houver histórico familiar

Com evolução silenciosa em sua fase inicial, o câncer de próstata é o tumor que afeta a glândula responsável por produzir o líquido que protege e nutre os espermatozoides no sêmen. O Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima 71.730 novos casos da doença por ano em todo o Brasil entre 2023 e 2025. No Ceará, são estimados 3.120 novos casos anuais no mesmo período.

O combate a essa doença, que representa o segundo tipo de neoplasia mais comum na população masculina, é um dos objetivos da campanha Novembro Azul. Porém, Ministério da Saúde e Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) divergem na recomendação do rastreamento do câncer de próstata para a população masculina em geral.

No início de outubro, o Ministério da Saúde e o Inca publicaram uma nota técnica conjunta em que recomendam o não rastreamento populacional da doença. O documento reitera o posicionamento dos órgãos emitido em 2015.

Com isso, a orientação é que os exames para investigação diagnóstica do câncer de próstata — o Antígeno Prostático Específico (PSA) e o toque retal — não sejam realizados de forma rotineira em pessoas sem sintomas.

Por sua vez, a SBU recomenda que homens a partir dos 50 anos compareçam ao urologista anualmente para fazer os exames de toque retal e PSA mesmo na ausência de sintomas. A idade cai para 45 anos para aqueles com histórico familiar, mutação genética BRCA conhecida ou para negros.

A entidade aponta que o rastreamento reduz de forma significativa o risco de diagnóstico de doença metastática, quando o câncer já se expandiu para outros órgãos.

POR QUE O MINISTÉRIO DA SAÚDE NÃO RECOMENDA O RASTREAMENTO POPULACIONAL?

Entre as ações para controle do câncer, está a detecção precoce. Ela se divide em duas estratégias: o diagnóstico precoce e o rastreamento.

  • Diagnóstico precoce: identificação do câncer em estágios iniciais em pessoas com sinais e sintomas
  • Rastreamento: aplicação sistemática de exames em pessoas assintomáticas, com o objetivo de identificar um câncer em estágio inicial

Para o câncer de próstata, a estratégia indicada pelo Ministério da Saúde é o diagnóstico precoce, que possibilita melhores resultados no tratamento. Isso porque revisões sistemáticas sobre o rastreamento apontam que a prática aumenta o diagnóstico do câncer de próstata “de forma significativa”, mas sem redução da mortalidade específica pela doença e com danos à saúde.

Com isso, ocorre o chamado sobrediagnóstico, que se refere ao diagnóstico de cânceres que não evoluiriam clinicamente e não causariam danos durante a vida. Em consequência, há também o sobretratamento, quando esses casos que não evoluiriam a ponto de ameaçar a vida do paciente são tratados, levando a impactos na qualidade de vida.

A chefe da Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede do Inca, Renata Maciel, explica que o rastreamento do câncer de próstata não apresenta tantos benefícios para a população assintomática quanto para quem apresenta sintomas. É diferente do que ocorre com outros tipos de câncer.

Tem muita diferença, a depender do tipo de câncer que vamos avaliar e do tipo de tecnologia que é utilizado para identificar esse câncer no rastreamento. Temos esse benefício muito bem estabelecido quando estamos falando do rastreamento do câncer do colo do útero, pelos processos que são utilizados. Também temos algumas evidências que apontam para o rastreamento do câncer de mama, tanto que ele é estabelecido no Brasil. Existe, sim, esse balanço entre risco e benefícios, com mais benéficos no rastreamento para esses dois tipos de câncer. Já é diferente quando estamos falando do câncer de próstata.
Renata Maciel
Chefe da Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede do Instituto Nacional de Câncer (Inca)

No entanto, o órgão afirma que, se o homem tem histórico de câncer na família ou fatores de risco, o rastreamento de rotina pode ser indicado caso o médico avalie a necessidade.

Na nota técnica, o Ministério da Saúde e o Inca recomendam que esse balanço entre os possíveis benefícios e os riscos do rastreamento deve ser informado a quem demandar espontaneamente a realização de rotina de PSA e/ou toque retal. Assim, a decisão deve ser compartilhada entre médico e paciente.

Confira possíveis riscos e benefícios apontados pelo Inca para a realização dos exames de rotina para homens com idade entre 55 e 69 anos:

Possíveis benefícios

  • Os exames são simples de realizar
  • Os exames ajudam no diagnóstico do câncer de próstata, que pode não apresentar sintomas iniciais
  • O diagnóstico mais cedo pode facilitar o tratamento do câncer

Possíveis malefícios

  • O resultado do exame de PSA pode estar elevado mesmo quando não é câncer e pode estar normal em alguns casos de câncer
  • Níveis elevados de PSA indicam a necessidade de biópsia de próstata para confirmar se há câncer e, na maioria das vezes, isso não se confirma. A biópsia pode ter complicações, como sangramento e infecção, além de causar dor, ansiedade e estresse no homem e em sua família
  • O diagnóstico e o tratamento de um câncer que não ameaça a vida podem causar ansiedade e resultar em incontinência urinária e impotência sexual

VIGILÂNCIA ATIVA

As divergências de conduta em relação ao câncer de próstata ocorrem devido à existência de tumores de muito baixa agressividade, explica o urologista do Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar (HMJMA), Bruno Castelo. O médico explica que, após a recomendação pelo não rastreamento populacional nos Estados Unidos o número de doenças metastáticas aumentou.

Atualmente, de acordo com o médico, o U.S. Food and Drug Administration (FDA), agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, segue a mesma posição defendida pela Sociedade Brasileira de Urologia: de que a realização ou não do rastreamento do câncer de próstata seja discutida com o paciente.

“A maior parte dos tumores é de baixa agressividade, mas entendemos que faz mais sentido nós eventualmente descobrirmos que esse paciente tem um câncer de próstata, e, constatando que é um câncer de próstata de baixa agressividade, estamos autorizados a fazer um protocolo que chamamos de vigilância ativa”, afirma.

Esse protocolo diz respeito a saber que o paciente tem a doença, mas não fazer o tratamento curativo de imediato. Assim, ele segue sendo acompanhado até que o tumor mude de parâmetro — e então o tratamento seja necessário — ou até ele morrer por outro motivo. “A Sociedade Brasileira (de Urologia) entende que essa seria a conduta mais personalizada e mais adequada para a nossa população”, aponta Castelo.

O urologista Rommel Regadas, professor da disciplina de urologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), acrescenta que essa consulta regular ao médico indicada pela SBU é uma oportunidade para o profissional conversar com o paciente sobre outras doenças que podem, a partir de então, ser prevenidas, como as cardiovasculares.

Entre os motivos que levaram órgãos norte-americanos a inicialmente não recomendar o rastreio estão as complicações do tratamento. “Sabemos que principalmente a cirurgia de próstata leva a uma incidência que não é pequena de disfunções eréteis graves e de incontinência urinária depois do tratamento”, afirma Regadas. O médico aponta que têm sido utilizadas terapias mais modernas, como as cirurgias robóticas, e também aponta que, em casos menos graves, não tem se recomendado o tratamento.

Outros riscos, destacados pelo Inca, são possíveis complicações da biópsia, que informa a agressividade da doença. Bruno Castelo explica que a possibilidade de infecção é uma “grande preocupação”, mas que o procedimento é realizado apenas quando há “uma suspeita forte” de o paciente ter um tumor. Além disso, ele aponta que pode ser feita uma ressonância antes da biópsia.

A maioria dos pacientes, hoje, que são submetidos à biópsia de próstata, tem biópsia de próstata positiva. Mostra que o exame está realmente bem indicado. E essa informação é importante porque podemos estar falando de um daqueles pacientes que tem uma doença muito agressiva. (...) Sim, com o rastreio, vamos ter muitos mais suspeitos e vamos procurar, sim, biopsiar mais pacientes. Mas entendemos que isso é necessário, porque o câncer de próstata, ao contrário de diversos outros tumores, é um câncer assintomático.
Bruno Castelo
Urologista do Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar (HMJMA)

O CÂNCER DE PRÓSTATA

Na fase inicial, o câncer de próstata pode não apresentar sintomas. Quando apresenta, podem ser sintomas que também ocorrem devido a doenças benignas da próstata. São eles:

  • Dificuldade de urinar;
  • Demora em começar e terminar de urinar;
  • Sangue na urina;
  • Diminuição do jato de urina;
  • Necessidade de urinar mais vezes durante o dia ou à noite.

Em casos avançados, a doença pode causar dor óssea, sintomas urinários, queda do estado geral, insuficiência renal e dores fortes.

Alguns fatores de risco podem aumentar as chances do desenvolvimento da doença, como:

  • Idade, uma vez que tanto a incidência quanto a mortalidade aumentam significativamente após os 60 anos
  • Pai ou irmão com câncer de próstata antes dos 60 anos, podendo refletir tanto fatores genéticos (hereditários) quanto hábitos relacionados ao estilo de vida de risco de algumas famílias
  • Sobrepeso e obesidade aumentam o risco de câncer de próstata avançado 
  • Fumantes têm um risco aumentado de morte por câncer de próstata: aqueles que desenvolvem a doença têm um prognóstico significativamente pior
  • Exposições a aminas aromáticas (comuns nas indústrias química, mecânica e de transformação de alumínio), arsênio (usado como conservante de madeira e como agrotóxico), produtos de petróleo, motor de escape de veículo, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA), fuligem e dioxinas estão associadas ao câncer de próstata

Para diminuir o risco da doença avançada, o Ministério da Saúde recomenda a manutenção do peso corporal adequado. Além disso, para a evitar o risco de doenças crônicas, entre elas o câncer, a entidade destaca a importância da adoção de diversos hábitos saudáveis, como:

  • Fazer atividade física
  • Ter uma alimentação saudável
  • Evitar bebidas alcoólicas
  • Não fumar

Além da recomendação de manter boa alimentação e estilo de vida saudável, o urologista Rommel Regadas pontua a existência de testes para detectar alterações genéticas. Essa pode ser uma opção para que pacientes com casos da doença na família “possam ter mais cuidado”.

A SAÚDE NA TOTALIDADE

A campanha Novembro Azul vai além da conscientização sobre o câncer de próstata. Ela chama atenção para a saúde do homem de forma geral. Para o urologista Bruno Castelo, o movimento é importante para lembrar aos homens que é importante buscar assistência médica e prevenção de doenças.

“Saúde não é só você tratar a doença, é ter hábitos de vida saudável para que você previna a maior parte das doenças. Então, você vê a orientação de alimentação, de atividade física, controle de diabetes, glicemia, colesterol, pressão, coisas básicas que todo homem deveria fazer, de promoção de saúde, e que a nossa população masculina não faz ideia. A campanha tem esse objetivo muito claro, de tentar trazer o homem para o médico”, aponta.

Da mesma forma, a chefe da Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede do Inca, Renata Maciel, diz que o Ministério da Saúde utiliza esse momento para convidar os homens a sempre ficarem atentos ao próprio corpo e a procurarem uma unidade de saúde quando necessário.

“Os homens devem ficar atentos sim à sua saúde, à prevenção das doenças crônicas, do câncer em geral, por meio de adesão a hábitos saudáveis. E também (devem ter) essa atenção à sua saúde quando tiver algo diferente. Sempre que (surgirem) sinais e sintomas, devem procurar a unidade de saúde o mais rápido possível, fazer os exames necessários para conseguir fazer o tratamento”, recomenda.