15 creches, 10 escolas e 7 postos de saúde: o que o IPTU devido por moradores de Fortaleza pagaria?
Quem tem imóvel em área urbana precisa pagar o imposto. Na Capital, em 2021, conforme apurado pelo Diário do Nordeste, R$ 196 milhões ainda não foram pagos.
Uma obrigação de quem é dono de imóvel ou terreno em áreas urbanas. O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) é cobrado, todo ano, pelas prefeituras. Em Fortaleza, o imposto afeta 801 mil imóveis residenciais, não residenciais e terrenos nos 121 bairros, mas devido a exceções previstas em lei (isenções e imunidades), desse total, só 633 mil são, de fato, tributados. Porém, apesar da obrigação, nem todos os proprietários pagam a cobrança.
Para se ter ideia, em 2021, conforme dados da Secretaria Municipal de Finanças (Sefin), solicitados pelo Diário do Nordeste via Lei de Acesso à Informação (LAI), a Prefeitura arrecadou R$ 566 milhões de IPTU na Capital, mas outros R$ 196 milhões cobrados, o que equivale a 34% do valor apurado, até o momento, não foram pagos.
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Essa é a dívida aberta de 2021. E tanto se refere aos caso em que o proprietário está devendo o valor total, como nos quais houve parcelamento, mas a dívida não foi quitada.
Quando somados, é possível dizer que os R$ 196 milhões pagariam a construção de 10 escolas, 15 creches e 7 postos de saúde do porte de exemplos ja entregues pela gestão municipal de Fortaleza. O cálculo é hipotético e, claro, o custo da edificação de prédios desses tipos pode variar conforme cada projeto.
Mas, para onde vai esse dinheiro? Ele retorna, de alguma forma, para a população que paga? E qual efeito a inadimplência do IPTU gera para a cidade?
Um dos primeiros pontos a saber é que o IPTU é um imposto municipal, logo, o dinheiro recolhido vai diretamente para a prefeitura e compõe o chamado Tesouro Municipal.
Embora a cobrança incida sobre o imóvel - seja uma casa, apartamento, comércio, galpão ou um terreno -, o dinheiro recolhido do IPTU não precisa necessariamente ser usado em investimentos específicos de habitação, urbanismo ou do setor imobiliário, por exemplo.
Imóveis tributados em Fortaleza não pagaram o IPTU total ou parcial em 2021
Diferentemente das taxas e contribuições, como a de lixo ou a de iluminação pública, cuja finalidade de uso já é especificada, os impostos, como o IPTU servem para atender as necessidades amplas do município.
O que o IPTU pode custear?
Essa verba cobrada de modo individual de cada propriedade pode ser usada pela prefeitura para quitar uma infinidade de contas que vão desde a construção e manutenção de vias, creches, escolas, postos de saúde, até pagamento de salários de funcionários. É desse modo variado que o dinheiro pode retornar para a população geral.
Em Fortaleza, conforme dados da Sefin, obtidos pelo Diário do Nordeste via Lei de Acesso à Informação (LAI), o valor devido referente a 2021 é de R$ 196.437.999,83. Dos 620 mil imóveis cobrados, 248 mil devem o IPTU completo ou parte dele, já que o pagamento do imposto pode ser parcelado.
Uma simulação feita pelo Diário do Nordeste usando valores empenhados em obras reais anunciadas pela Prefeitura, exemplifica como o dinheiro que não foi pago, poderia ter sido usado:
- Em fevereiro de 2022, a Prefeitura inaugurou um Centro de Educação Infantil (CEI), na Barra do Ceará, para crianças de 6 meses a 3 anos de idade. A construção custou quase 4 milhões de reais. O dinheiro devido do IPTU 2021 pagaria 49 obras do tipo;
- No Autran Nunes, também em fevereiro deste ano, a Prefeitura entregou uma Escola de Tempo Integral (ETI). O equipamento teve investimento de R$ 11,5 milhões. Os R$ 196 milhões do IPTU pagariam a construção de 17 escolas semelhantes a esta;
- A construção de um posto de saúde, entregue pela gestão municipal em agosto de 2020, no bairro Pedras, custou R$ 2,8 milhões. O dinheiro da inadimplência do IPTU custearia a edificação de 70 unidades semelhantes;
Em uma equação mais direta, o R$ 196 milhões devido de IPTU de Fortaleza em 2021 poderiam custear os seguintes serviços e obras:
- 35% dos custos de manutenção do Instituto Dr. José Frota (IJF) no ano passado, já que segundo o portal da Transparência foi empenhado R$ 560 milhões no hospital;
- A reestruturação completa do terminal de Messejana (22 milhões), as obras no terminal aberto da Washington Soares (R$ 4 milhões), as do terminal aberto no José Walter (6,7 milhões) e ainda restaria 163,3 milhões;
- A construção do novo Centro Urbano de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (Cuca), no bairro Pici, e sobraria R$ 169,6 milhões;
- Pagaria por 6 anos, o subsídio de R$ 32 milhões que a Prefeitura e o Governo do Estado empenharam, em 202,1 no sistema de transporte coletivo para tentar evitar o aumento na passagem, e, em 2022, para manter uma tarifa, ainda que reajustada, entre as menores do país.
Uma questão relevante é que a Constituição Federal prevê que os municípios devem destinar, no mínimo, 25% do recolhimento tributário municipal à educação e de 15% à saúde. Assim sendo, quem paga IPTU, seja em qual cidade for, acaba contribuindo necessariamente para essas duas áreas.
As gestões municipais também estabelecem critérios para a cobrança, bem como quais proprietários e imóveis podem ficar isentos ou são imunes. Em Fortaleza , o IPTU não é cobrado de imóveis cujo valor venal é de até R$ 83.518,51. Há outros fatores para isenção ou imunidade. Em 2022, a Prefeitura espera arrecadar R$ 625 milhões de IPTU.
A titular da Sefin, Flávia Teixeira ressalta que R$ 196 milhões de inadimplência é um valor muito expressivo e acrescenta que isso impacta diretamente nos recursos que a Prefeitura tem "para prestar serviço à sociedade".
“O IPTU tem função de redistribuição social. Então, ele vai cobrar de quem tem mais para que o município possa prestar serviço para quem tem menos”.
Efeito da não arrecadação
O IPTU é o segundo principal imposto municipal, explica o professor do Departamento de Contabilidade da Universidade Federal do Ceará (UFC), Roberto Sérgio do Nascimento. Portanto, quando há baixa na arrecadação isso gera um efeito direto na forma como a verba recolhida nas receitas próprias vai ser usada pela gestão pública.
De acordo com Roberto, quando o contribuinte deixa de pagar o IPTU, por exemplo, isso compromete a quantidade de dinheiro que o município dispõe tanto para pagar as obrigações, garantir a manutenção de equipamentos e serviços, como para construir novos bens públicos.
“Se as pessoas deixam de pagar, essa dependência que o município tem do Estado e da União acaba aumentando. Porque o município deveria contar com receita própria, e no entanto, ela não aconteceu. Aí é preciso aplicar melhor ainda aquilo que já dispõe. Isso torna as finanças do município mais frágeis do que elas, por natureza, já são".
Ele reforça que os impostos municipais são utilizados para cobrir as despesas públicas, e, em geral, tem a seguinte ordem de prioridade: quitar a folha de pagamento dos funcionários, garantir a manutenção da máquina pública (conservação e funcionamento de escolas, hospitais, vias, órgão públicos, etc) e a construir novos equipamentos.
Quando há baixa na arrecadação, os dois primeiros pontos são priorizados, e o rol de investimentos é o mais comprometido. “A lógica é, eu arrecado e tenho que fazer escolhas. Sempre a folha é preservada, depois a manutenção, e por último a construção de bens”, completa.
A cobrança é feita com base em que?
O que define quanto cada proprietário irá pagar de IPTU é o valor de venda da propriedade, ou seja, o valor venal do imóvel. Para calcular esse valor, a Prefeitura considera fatores, como: tamanho do terreno, do prédio, localização, o tipo de material utilizado no acabamento, se tem piscina, se é só térreo e os tipos de equipamentos urbanos existentes na rua.
Na definição da cobrança é aplicada uma alíquota que é o percentual que irá incidir no valor do imóvel e definirá o custo do IPTU.
As alíquotas aplicadas em Fortaleza são:
- 0,6%, 0,8% ou 1,4% para imóvel residencial, dependendo do valor do imóvel;
- 1% ou 2% para imóvel não residencial, dependendo do valor do imóvel;
- 1% ou 2% para terrenos não edificados, dependendo da presença ou não de rede de água, iluminação pública e pavimentação de veículos.
O IPTU não é cobrado de imóveis cujo valor venal é de até R$ 83.518,51. Também há isenção para outras situações previstas em lei.
Caso não pague, o que acontece?
Nas situações em que o proprietário não paga ou não tem condições de realizar o pagamento, a prefeitura pode entrar com medidas judiciais, via Procuradoria Geral do Município (PGM), ao considerar a dívida ativa. Nesses casos, o nome do devedor poderá ser inscrito em serviços de proteção de crédito, como o SPC e Serasa.
Além disso, o proprietário é afetado ao tentar vender o imóvel, na emissão da certidão negativa de débito.
Conforme a titular da Secretaria de Finanças, Flávia Teixeira, inicialmente há uma cobrança administrativa até março ou abril do ano seguinte. Portanto, quem está devendo o IPTU de 2021 ainda está sendo cobrado administrativamente.
“Notificamos por email, enviamos correspondência, para fazer essa cobrança. Então, o não arrecadado até abril, essa base de inadimplência é encaminhada para a Procuradoria Geral do Município. E lá eles inscrevem na dívida ativa, encaminham para os cartórios as cobranças e daí segue todo o trâmite”.