Editorial: Transportes irregulares

A notícia parecia velha: na quarta-feira, um transporte tipo popularmente conhecido como pau de arara tombou, numa estrada que liga as localidades de Nova Brasília ao distrito de Saco de Belém, na zona rural do município de Santa Quitéria. Três pessoas ficaram feridas e, por sorte, sofreram apenas escoriações leves. Eram adolescentes que seguiam na boleia do caminhão, que fazia as vezes de transporte escolar.

Segundo o texto da Constituição Federal de 1988, o transporte é uma das garantias que devem ser reservadas aos estudantes. Em seu artigo 208, a Carta Magna determina que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante algumas garantias e, no inciso VII, trata do “atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”. O inciso I ainda prevê “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”.

Não deveria ser preciso explicitar que cada um dos itens, na lista de garantias condicionantes para o efetivo acesso à educação, conforme prevê a Constituição Federal, deve estar em acordo com as demais leis do País. Dito isso, é evidente que os caminhões do tipo pau de arara não respeitam o que determina o Capítulo XIII (Da condução de escolares), do Código de Trânsito Brasileiro. A regra que normatiza os meios “destinados à condução coletiva de escolares” determina que estes devem tratar-se de “veículo de passageiros”; veículos como o que tombou com os estudantes figuram em outra categoria: carga.

São detalhadas no Código Brasileiro de Trânsito uma série de exigências, impossíveis de serem supridas por um transporte precário e improvisado, originalmente destinado a levar cargas, incluindo a necessidade de “cintos de segurança em número igual à lotação”.

A obrigação de prover transporte, quando necessário, para acesso das instituições educacionais por parte dos alunos da rede pública, é partilhado. Aos municípios, aos estados e à União cabem suas respectivas responsabilidades. Parcerias entre as três instâncias existem e são estimuladas. Destaque-se, para exemplificar tais interações, o Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate), que tem por objetivo de garantir o acesso e a permanência dos estudantes do ensino público fundamental, “residentes em área rural que utilizem transporte escolar, por meio de assistência financeira, em caráter suplementar, aos estados, Distrito Federal e municípios”.
Casos semelhantes ao que recentemente se viu em Santa Quitérias já foram exaustivamente noticiados pela imprensa, por vezes com desfechos trágicos. Hoje, são exemplares do atraso; devem ficar no passado, como uma pedagogia cruel do que não pode, nem deve ser repetido. A educação é um investimento prioritário e de retorno garantido para qualquer sociedade e merece todas as atenções e garantias necessárias. 

As lições das experiências malfadadas; a legislação brasileira de trânsito, que com os anos tornou-se mais rigorosa; e, claro, o compromisso com a educação e com o bem-estar dos estudantes são estímulos suficientes para que os gestores públicos abandonem de vez o emprego de conduções irregulares.