Editorial: Tecnologia e saúde

As inovações tecnológicas têm causado transformações drásticas em diversos setores. Para ficar em uns poucos casos, cite-se o modelo de lojas físicas do comércio, às voltas com o e-commerce; os serviços de transporte urbano, virados do avesso com os aplicativos de compartilhamento de corridas; e, mais recentemente, o ramo da hotelaria, confrontado com um modelo de locação temporária via Internet. As áreas que ainda não sofreram um impacto forte parecem estar apenas esperando sua hora chegar. E parece que a hora do setor de saúde está bem próxima.

Um debate que tem ganhado força é o da telemedicina. Em princípio, não se trata de uma prática nova. E, diferente do que aconteceu em outras áreas, em que novos serviços catalisados por dispositivos tecnológicos e/ou pelo uso da internet aproveitaram brechas regulatórias, a telemedicina já é normatizada pela Resolução nº 1.643/2002, do Conselho Federal de Medicina (CFM). 

Acontece que, 17 anos depois de ter sido publicada, a resolução do CFM se confronta com necessidades da prática médica e avanços tecnológicos. O tema não comportaria normatizações obsoletas. Tanto que o CFM editou, em 6 de fevereiro deste ano, uma nova regulamentação, estabelecendo regras para o atendimento a distância mediado por plataformas tecnológicas. 

As novas regras não tiveram uma boa acolhida. A entidade acabou, um mês depois, revogando a resolução, por conta do alto número de críticas e de propostas de retificação, de profissionais da área médica e de entidades do segmento, dos critérios então estabelecidos para a prática da telemedicina no País.

Consultas a distância e leituras de exames estão entre os procedimentos para os quais ainda há desacordo. Ainda está por se encontrar o ponto de acordo, do que será capaz de atender às necessidades de pacientes e os médicos, sem prejuízo do serviço prestado ou de precarização da prática especializada. É possível se esboçar parte dos impactos que a mediação tecnológica pode trazer para tratamentos, como a facilitação de se atender populações em locais mais remotos e com carência de profissionais; mas é nebuloso o que pode acarretar para a categoria médica e para suas instituições, públicas e privadas. 

Globalmente, a questão também tem ocupado autoridades e especialistas. No dia 17, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou recomendações aos países para o uso mais adequado das tecnologias de saúde digital – acessíveis via celulares e computadores. A preocupação da OMS é nortear o emprego de recursos tecnológicos acessíveis para melhorar a saúde das pessoas.

Exemplo de intervenção digital já em uso e com efeitos positivos comprovados é o envio de lembretes a mulheres grávidas, para comparecer às consultas de pré-natal, e para pais, sobre retorno de vacinas para crianças. Outras abordagens digitais revisadas incluem orientações sobre consultas a distância.

As propostas da OMS são importantes, como referência, para se chegar às definições sobre telemedicina no País. Esta precisa levar em conta o que é fundamental e seguro, para pacientes e profissionais, e ficar atento às lições dos impactos negativos que as tecnologias trouxeram para setores que, antecipadamente, não regularam seus usos.