Editorial: Mal silencioso

Distúrbios emocionais e doenças psicológicas são problemas sociais agravados pelo amplo desconhecimento que os cerca. Em muitos casos, faltam dados precisos de sua extensão, o que tem impacto sobre as políticas públicas dedicadas a enfrentá-los; e a informação para o cidadão, acerca de causas e tratamentos, encontra dificuldades de circular e de servir de base para uma prática transformadora.

Pesquisa recente, com dados sobre estudantes do Ceará e do Rio Grande do Sul, documentou casos de automutilação, relacionados a sofrimentos psíquicos. A investigação acadêmica foi realizada pelo grupo de Estudos e Políticas sobre a Juventude, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), ligada à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, na sigla em inglês). Faltam-lhe números que ajudem a dimensionar o caso. O Brasil não tem dados específicos sobre a prática de automutilação entre jovens. Profissionais que lidam com o público adolescente falam em aumento dos episódios.

Situação semelhante, de imprecisão estatística, é observada quando a pauta é a depressão entre adolescentes. Pesquisas desatualizadas dificultam saber, exatamente, a realidade a ser confrontada. Realizado pela Universidade Federal de São Paulo, o 2º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, de 2014, indicava que mais de 20% dos jovens, entre 14 e 25 anos, apresentavam sintomas indicativos de depressão (entre as mulheres, o índice era maior: de 28%). 

Apesar de antigos, os índices inspiram preocupação e são endossados por outros indicativos. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que, ao longo da vida, 30% da população mundial sofrerão algum episódio de depressão; e que cerca de 50% dos adultos com a doença relataram início dos sintomas antes de alcançar a maioridade.

Em todo o mundo, de acordo com levantamento da OMS, entre 10% a 20% dos adolescentes vivem com problemas de saúde mental. A maior parte recebe diagnósticos e tratamentos inadequados. E o problema não é apenas de ordem clínica, do entendimento de doenças do gênero e dos corretos procedimentos médicos para tratá-las. Os sintomas de transtornos mentais podem ser negligenciados por falta de conhecimento ou de conscientização, dado o estigma que ainda impede muitos de procurarem ajuda especializada.

Merece registro a vigência da Lei 13.819, pelo Governo Federal, que estabelece a Política de Prevenção da Automutilação e do Suicídio. É um dispositivo para colher informações e, a partir daí, orientar outras ações. A norma estabelece a notificação compulsória de casos de automutilação, em escolas e hospitais. Quando o episódio envolver crianças e adolescentes, os conselhos tutelares devem ser acionados.

A política preventiva nacional indica a importância das instituições de ensino no enfrentamento do sofrimento psíquico entre adolescentes. São espaços privilegiados não apenas para observar casos de distúrbios, como para ajudar a preveni-los e superá-los.

Parceria entre instituições, públicas e privadas, familiares e amigos são fundamentais para atacar o problema que é, também, público e, como tal, demanda atenção de todos.


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