Editorial: Impasses tecnológicos

Os efeitos das transformações tecnológicas sobre o cotidiano das pessoas em todo o mundo não podem mais ser vistos a partir da antiga polarização, sem zonas cinzentas, entre otimistas pouco críticos e pessimistas pouco realistas. Hoje é igualmente ingênuo se professar uma retração das tecnologias digitais, que avançam em suas conquistas de todas as esferas da vida social (e outras tantas da vida pessoal); ou se esperar consequências exclusivamente positivas destas investidas.

A discussão, hoje, e cada dia mais, precisa ser aquela que indaga a forma de canalizar positivamente as artes do engenho humano, para que estas não tenham consequências danosas para as sociedades ao redor do mundo. O debate não é mais se as iniciativas no mundo digital devem ser controladas, mas que tipo de controle é possível e necessário sobre a tecnologia.

O discurso já encontra eco no coração do Vale do Silício, sendo apoiado por representantes das “Big Tech”, as bilionárias companhias da área, com presença na maior parte dos países do globo. Tim Cook, o CEO da Apple, defende que “a tecnologia precisa ser regulada”. A preocupação é real e se baseia, nas palavras de Tim Cook, nos “muitos exemplos em que a falta de trilhos resultou em grandes danos à sociedade”. As consequências para as políticas nacionais da desinformação no ambiente digital, potencializadas pelas redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas, é um exemplo. Mas não faltam outros, incluindo os de ordem econômica.

Não há concordância quanto a um modelo regulatório. Mas a realidade já demanda medidas administrativas e legislativas, não só nas instâncias nacionais, mas das demais unidades da administração pública (no caso brasileiro, compreendidas por estados e municípios).

Num país com uma taxa de desemprego que supera 12% da população economicamente ativa, onde cresce a informalidade, não pode ser ignorado o fato de que aplicativos são fontes de renda para 4 milhões de autônomos (17% do total do segmento no Brasil). Eles se valem de recursos de tecnologia que potencializam serviços, como o de transporte e de entrega. 

Merece pois atenção a retomada do julgamento da ação que pede a nulidade da lei municipal N° 10.553/ 2016, no Supremo Tribunal Federal (STF). Aprovada pela Câmara Municipal de Fortaleza e sancionada pelo prefeito Roberto Cláudio, a legislação trata da proibição do transporte público individual de passageiros sem permissão legal na Capital. O questionamento é de que a lei conflitaria com a legislação federal, sancionada pelo então presidente Michel Temer.

Não há posição fácil de ser tomada. Por um lado, os aplicativos são importantes, não apenas para um grande número de trabalhadores, como para cidadãos que usam seus serviços e, com eles, economizam; por outros, a falta de regras tem impactos negativos notórios, desde questões relacionadas à arrecadação de impostos até a falta de cobertura de áreas que, em caso de atividades reguladas, são compulsórias, como a acessibilidade, por exemplo.

A tecnologia demanda esforço para que se pense e implemente regulações inteligentes, que não sufoquem seu potencial, nem penalizem seus usuários, mas que resguardem o bem comum.