Em caso de ‘chuvas extremas’, quais áreas de Fortaleza têm risco de inundação e como prevenir?

Na capital cearense, dados registrados em mapas de sistemas dos governos Federal e Municipal indicam que a maior parte da cidade está em áreas propícias a cheias

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
Imagem aérea da cidade de Fortaleza
Legenda: Se ocorresse um evento extremo na capital cearense, como chuvas intensas, que aumentasse significativamente, por exemplo, os níveis de rios como Cocó, Maranguapinho e Ceará, e riachos como o Maceió, boa parte da cidade estaria suscetível
Foto: Thiago Gadelha

A tragédia vivenciada no Rio Grande do Sul, há alguns dias, com um volume excessivo de chuvas em um curto intervalo, elevando o nível de cursos d'água e provocando inundações, mortes e desaparecimentos, comove o país. Em paralelo, a situação gera busca por explicações sobre as áreas afetadas. Isso repercute em outras realidades e, por exemplo, a população de Fortaleza pode se perguntar: em caso de “chuvas extremas”, quais áreas da capital cearense têm risco de inundação?

O drama gaúcho reverbera mais ainda e faz com que governos e a sociedade precisem discutir outro ponto: o que é possível fazer para prevenir tragédias em áreas vulneráveis a cheias? Em Fortaleza, as características geográficas e ambientais são distintas da capital gaúcha, Porto Alegre, mas, há problemas semelhantes, como a ocupação de margens de rios e córregos, fato que é crucial para a vulnerabilidade a inundações.

Como o traçado das áreas suscetíveis a inundações acompanha, em geral, as margens desses corpos d’água, as chamadas planícies, boa parte da cidade estaria propensa a cheias. Além disso, um ponto essencial da atual situação do Rio Grande do Sul e que precisa ser considerado nos alertas a outros estados e municípios é o fato de a catástrofe ser considerada efeito de um evento climático extremo. Ou seja, quando fenômenos naturais que sempre aconteceram, como as chuvas, passam a ser mais intensos, prolongados e com grandes volumes. 

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Logo, aquilo que ocorria de modo espaçado e eventual passa a acontecer com mais frequência, chegando inclusive a quebrar recordes históricos, como o aumento do nível do Lago Guaíba, em Porto Alegre, que ultrapassou os 5 metros. O recorde anterior era de 1941, quando atingiu 4,76 m.

Eventos climáticos extremos, conforme o Observatório do Clima e Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) são de origem:

  • Hidrológica: inundações bruscas, alagamentos, enchentes, deslizamentos; 
  • Geológicos ou geofísicos: processos erosivos, de movimentação de massa e deslizamentos resultantes de processos geológicos ou fenômenos geofísicos; 
  • Meteorológicos: raios, ciclones tropicais e extratropicais, tornados e vendavais; e
  • Climatológicos: estiagem e seca, queimadas e incêndios florestais, chuvas de granizo, geadas e ondas de frio e de calor.

E é justamente pensando na possibilidade de ocorrência de “chuvas extremas” que desenhos e modelagens, feitas a partir de evidências em campo e ocorrências históricas, são produzidos por órgãos como defesas civis e institutos de pesquisa para indicar nas cidades brasileiras, quais áreas são mais suscetíveis a inundações. 

Quais as áreas de Fortaleza têm risco de inundação?

Em Fortaleza, dados registrados em mapas de sistemas dos governos Federal e Municipal indicam esse traçado. As áreas com risco de inundação são, em geral, aquelas que acompanham as margens de rios e córregos, chamadas de planícies fluviais (quando acompanham rios) e lacustres (no entorno das lagoas). 

Portanto, se ocorresse um evento extremo na capital cearense, como chuvas intensas, que aumentasse significativamente, por exemplo, os níveis de rios como Cocó, Maranguapinho e Ceará, e riachos como o Maceió, boa parte da cidade estaria suscetível. 

Mapas de áreas suscetíveis a inundações em Fortaleza

Legenda: Áreas verde escuro, azul e roxas são áreas de inundação
Foto: Reprodução do Diagnóstico Geoambiental do Município de Fortaleza

Legenda: Informações do Serviço Geológico do Brasil
Foto: Reprodução

Um dos mapas consta no estudo “Diagnóstico Geoambiental do Município de Fortaleza”, coordenado pelo geógrafo Marcos José Nogueira, há mais de 10 anos. Na semana passada, a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) publicou nas redes sociais a imagem desse mapa na qual estão os sistemas ambientais de Fortaleza. Nele há a delimitação dos rios, lagoas, riachos, dentre outros recursos, e também das planícies que são justamente as áreas que margeiam esses cursos d’água e são suscetíveis às cheias. 

Outro mapa que também indica as áreas com risco de inundação consta em portal online disponibilizado pelo Serviço Geológico do Brasil, empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia. O mapa de Fortaleza disponível no Serviço traz os mesmos indicativos do publicizado pela Semace, com as margens de rios e córregos caracterizadas como áreas de risco de inundação. 

Os dois registros ilustram uma certa dimensão de territórios/parte de bairros que são vulneráveis a inundações em Fortaleza devido às próprias características e atributos naturais que detêm. Nesse caso, bairros inteiros ou partes deles atravessados por rios, riachos e lagoas são, em algum grau, vulneráveis a inundações. 

De modo geral, são poucos os bairros que ficariam “livres” das cheias ou teriam parte do território menos propícios a elas, já que rios como o Cocó, Ceará e Maranguapinho, bem como seus afluentes, se espalham pela cidade, assim como os riachos e lagoas. 

São pontos visivelmente mais vulneráveis trechos de bairros como:

  • Vila Velha e Quintino Cunha, que podem ser afetados pela cheia do Rio Ceará; 
  • Antônio Bezerra, Dom Lustosa, Genibaú, Autran Nunes, Bom Sucesso, Henrique Jorge, João XXIII, Granja Portugal, Bom Sucesso, Siqueira, Bom Jardim, Parque São José, Canindezinho e Conjunto Esperança, afetados pelas águas do Maranguapinho e seus afluentes; e 
  • Alto da Balança, Aerolândia, Tancredo Neves, Boa Vista, Castelão, São João do Tauape, Passaré, Barroso, Conjunto Palmeiras, José Walter e Dias Macedo, cortados pelas águas do Cocó e seus afluentes. 

Bairros que não estão na mancha de suscetibilidade à inundação

  • Pirambu
  • Cristo Redentor
  • Álvaro Weyne
  • Monte Castelo
  • Parque Araxá
  • Centro
  • Farias Brito
  • Benfica
  • Praia da Iracema
  • Meireles
  • Aldeota
  • Dionísio Torres
  • Joaquim Távora
  • José Bonifácio

Ocupação das planícies gera riscos 

O doutor em Geografia e geógrafo da Semace, Davi Rabelo, explica: “a natureza tem marcadores ambientais que são áreas onde a água, em algum momento da história geológica, já esteve presente. Esses marcadores próximos dos rios, chamamos de planícies fluviais, que são áreas onde houve grandes enchentes e foram depositadas areias ao longo do tempo e que sazonalmente são áreas propícias para inundações. Mas só vai inundar em determinados períodos, e isso depende do regime climático”. 

Ele destaca que “os eventos extremos, quando são potencializados pela ação humana, se tornam mais frequentes e essas áreas (as planícies) costumam receber essas águas, a depender do quanto choveu”, completa. Ele explica que quando há chuvas, uma parte delas é infiltrada no solo e outra é escoada. “Mas, quando um rio recebe muito mais água, ele transborda para os seus marcadores naturais, onde antigamente aquela água já tinha passado”, destaca.  

Imagem de rua alagada em Fortaleza
Legenda: Casas próximas ao Rio Cocó, em Fortaleza, sofreram com alagamentos, em 2019, quando a barragem sangrou
Foto: José Leomar

No caso de Fortaleza, as planícies fluviais são associadas aos rios Ceará, Maranguapinho, Cocó e Pacoti, segundo o geógrafo. “Se ocorrer um evento extremo, essas áreas, naturalmente, seriam ocupadas pelas águas”, reforça. Um dos grandes problemas é justamente a ocupação histórica dessas margens de forma irregular e desordenada. 

“Nosso ordenamento territorial não leva em consideração isso. A legislação ambiental não protege as áreas de planície como um todo e temos também a especulação imobiliária. As partes mais próximas dos rios geralmente são ocupadas por populações mais pobres porque é mais barato morar nessas áreas. Caso ocorra esses transtornos também em Fortaleza, as primeiras populações que vão sofrer são aquelas que estão ocupando essas margens, nas planícies fluviais. Os primeiros afetados seriam as populações das áreas de risco”, acrescenta. 

O geólogo do Serviço Geológico do Brasil, Julio Lana, explica que o mapa na qual constam as áreas vulneráveis a inundações em Fortaleza é fruto de um mapeamento feito em 2012. E completa que: “Como as áreas de risco são dinâmicas e mudam em função das mudanças urbanas, ele precisa ser atualizado de tempos em tempos. Em agosto desse ano iniciaremos a atualização desse mapeamento.”

Ele reforça que, “de maneira geral, as áreas mapeadas indicam as regiões urbanizadas dos municípios que são mais propensas a sofrerem perdas ou danos em função de processos geológicos, como inundações, deslizamentos, erosões, dentre outros”. O trabalho, diz ele, inclui a coleta de indícios de risco, como histórico de deslizamentos e inundações passadas, casas em locais íngremes ou na margem de cursos d’água. 

Ao garantir esse mapeamento, explica, o Serviço Geológico do Brasil,  quer “produzir informações para embasar os gestores a tomarem decisões assertivas perante à prevenção de desastres e ordenamento territorial”. 

Como é possível prevenir?

Uma das formas de prevenção e antecipação é justamente o monitoramento dessas áreas, com a coleta de dados e monitoramento permanente. “Existem maneiras de antecipar com modelagem ambiental, climática, vendo em que nível pode chegar. E tentar prevenir ou mitigar os possíveis impactos que podem acontecer”, diz o geógrafo.

No mundo ideal, as áreas de planície deveriam ser completamente livres, explica Davi. Mas como no mundo real as ocupações já ocorreram, tecnologias foram criadas para tentar garantir essa convivência com o risco. “ocupar tendo uma sustentabilidade planejada”, completa ele. 

“Os projetos precisam ter os cálculos de possibilidade de cheias e como lidar com elas. Quais os tipos de engenharia vão ser usadas para controlar essas cheias. Existem técnicas de engenharia como diques, que conseguem fazer algum controle de cheias”, garante.  

Outro ponto estruturante, afirma o geógrafo, do ponto de vista legal, é garantir zoneamentos nos quais estejam claras as áreas passíveis de ocupação, garantindo preservação por exemplo das planícies. “E em termos de sociedade, a educação ambiental é fundamental. Convencer as pessoas que a natureza é finita e se a gente desordenar essa natureza, degradar, vai haver consequência porque a natureza vai buscar o equilíbrio. 

O titular da Secretaria Municipal da Segurança Cidadã, coronel Heraldo Maia Pacheco, explica que um dos cenários de risco que foi alterado com melhorias, em Fortaleza, é aquele relacionado às margens dos rios Cocó e Maranguapinho, com a construção de barragens de contenção de cheias nos dois cursos d’água na última década. 

“Isso tem dado a Fortaleza uma situação melhor. Hoje, esses dois rios não preocupam tanto. Mesmo assim, nós mantemos o monitoramento deles. O nível das barragens e se as comportadas estão apertadas ou fechadas. E através das nossas câmeras ficamos de olho no nível dos dois rios. Como sabemos que apesar das barragens, um ponto ou outro pode dar problema, então ficamos monitorando isso”, destaca. 

Já outros pontos de Fortaleza, como as margens do Riacho Maceió, no Mucuripe, uma área de mangue nas margens de um afluente do Rio Cocó, na Sabiaguaba, na qual moradias são atingidas pelas cheias, são exemplos de territórios vulneráveis a inundações que demanda atenção do poder público. 

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