Pessoas tomam atitudes "detox" perante os desafios do ano

A palavra "tóxico" foi eleita como um dos termos que resumiu o espírito de 2018

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@diariodonordeste.com.br

O movimento das redes sociais sinaliza que a sociedade não dialoga bem faz algum tempo, mas em 2018, no Brasil, a confusão ganhou a "cereja do bolo" das disputas do cenário eleitoral. A falta de diálogo e de sensibilidade contamina o globo e, não por acaso, a Universidade de Oxford, no Reino Unido, elegeu "tóxico" ("toxic", em inglês) como a palavra do ano.

A cada ano, a instituição elege um termo de referência para simbolizar o espírito daquele período. Em 2018, segundo o levantamento feito para a página do Oxford Dictionaires, a busca pela palavra cresceu 45% em relação a 2017. Termos derivados, como "masculinidade tóxica", estão incluídos no balanço, impulsionado, neste caso, por movimentos como o #MeeToo, um esforço para chamar a atenção para abuso de poder e violência sexual contra mulheres em todo o mundo.

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"Tóxico" tem ocupado a mente das pessoas sobretudo desde a década de 1980, quando os livros de autoajuda começaram a ganhar mais espaço no mercado editorial e, posteriormente, na web. No contrafluxo da toxicidade, alguns indivíduos reagiram e tomaram atitudes a favor de uma vida "detox" em 2018.

Para o terapeuta Bruno Aboim, psicólogo e consultor holístico, o movimento de pacientes procurando terapias, sobretudo nos meses derradeiros do ano, foi intenso.

 "Nas últimas semanas, surgiram muitos pacientes em surto, alguns em um pico de estresse, com muita carga emocional. Com a chegada do fim do ano, as pessoas tendem a finalizar processos, fazer mudanças daquilo que está desagradável em 2018, pra dar um novo passo no ano seguinte", observa Aboim.

O terapeuta pondera que o processo não é apenas racional. "Essa corrente de pensamentos acaba gerando, também, um fluxo energético. Quem está propenso a fazer essas escolhas acaba entrando numa maré energética, e quem tiver mais desorganizado vai ser alcançado por essa onda com mais força", percebe o terapeuta.

A professora universitária Lígia Queiroz, 54 anos, procurou a psicoterapia no segundo semestre, a fim de amenizar o impacto do resultado das eleições brasileiras no último mês de outubro. "Com essa falta de perspectiva, voltei a fazer terapia", relata.

No entanto, apesar de Lígia reconhecer que existe, sim, "uma propaganda de medo" que se volta contra as minorias sociais, "o processo terapêutico me mostrou que vai ter um desgaste, mas você pode manter o seu centro, a sua energia, sua saúde mental. Essa ressignificação é necessária pra enfrentar o que está por vir", reflete a professora. Ela fala como a ajuda terapêutica lhe deu forças para seguir com o foco direcionado à preservação ambiental e biológica, sua área de pesquisa e ensino universitário.

Dieta

Já no início do ano, o fotógrafo Tiago Lopes, 33 anos, decidira encarar 2018 a partir da vivência de uma dieta "detox". Com o novo hábito alimentar, ele percebeu que se afinava a valores de consumo consciente, no sentido contrário da toxicidade. Para Tiago, a revolução mais importante é "pessoal e intransferível" e parte da mudança de si mesmo.

"Um dos benefícios (da dieta) foi o estético. Iniciei o ano querendo ganhar massa muscular e perder gordura, só que como consequência vem a melhoria na pele, no cabelo, no sono. Meu desempenho durante o dia melhorou, o humor também, a vontade de fazer as coisas", resumiu Tiago.

O fotógrafo encontrou alguns percalços nesse caminho. Embora o ganho saudável fosse evidente, ele conta que deixou de acompanhar o ritmo de vida social dos amigos e outras pessoas próximas.

Agora, "eu não bebo, só raramente. A tríade é 'treino, alimentação e repouso'. Então, troquei a balada pela praia de manhã. Vejo amigos quando há eventos em casa, normalmente", conta Tiago.

Tiago Lopes afirma que manteve, durante todo o ano, o foco em sua "revolução pessoal". "Hoje, não tenho carro, televisão com TV a cabo, tenho plano de saúde, acesso a Internet, um mínimo de coisas possíveis. Passei a prestar mais atenção pra onde vai o meu dinheiro e a comprar de produtores locais que têm uma postura social legal", recapitula.

Escassez

Diferentemente do cenário vivido em 2016 e 2017, por exemplo, quando a classe média estava mais atenta às questões econômicas do País, 2018 foi, segundo o terapeuta Bruno Aboim, um período em que o público procurou os consultórios terapêuticos preocupado com a situação das minorias sociais - as comunidades LGBT, negras, indígenas, dentre outras. "Essas pessoas chegaram muito mexidas, desde pacientes que são mais militantes e tiveram exemplos muito próximos de determinadas perseguições, das redes sociais sendo invadidas, dentre outros processos de incitação à violência", alinha Aboim.

Psicosfera

No fim deste ano, o cenário de instabilidade política com as eleições sobrecarregou a psicosfera (a atmosfera psíquica do ambiente no qual cada um está inserido) de incertezas, mudanças radicais e temores. Ou seja, permaneceu "tóxico". Segundo avalia Bruno Aboim, "se a gente pega um cenário generalista, você tem, de um lado, as pessoas esperando o resultado das questões da (Operação) Lava Jato e uma mudança radical no País, com isso, sobre moral e ética também. E outro bolsão ainda almejando isso, só que com outra forma de analisar. Mas para todos existe uma situação inesperada (comparada ao início do ano)".