Chegada do carro é início da modernização da mobilidade

Na segunda parte, mais detalhes da história do primeiro carro e do início da modernização da mobilidade no Ceará

A Cimaipinto foi uma das primeiras concessionárias da cidade, que vendia carros da marca Chevrolet, e era de propriedade de seis dos nove filhos de Júlio Pinto.

"Quando o primeiro carro chegou em Fortaleza, o meu tio Clóvis se aproximou do veículo porque ele consertava motores estacionários, de locomotivas. Ele era mecânico de locomotiva e ajudou a fazer esse automóvel funcionar. Antes das locomotivas, ele trabalhou com motores marítimos", acrescenta Júlio Pinto Neto.

> Qual foi o primeiro carro no Ceará?

Naquela época, em 1909, Júlio Pinto também era o proprietário do Cassino Cearense. "Meu pai contava que meu avô tinha sido precursor de muitas coisas no Ceará. Ele teve uma fábrica de pregos, de mosaicos, a primeira fábrica de gelo, que funcionava junto com o Cassino Cearense. Meu avô era muito criativo".

"Ele era ousado e tinha visão de empreendedor já naquela época", acrescenta Roberto.

"Também gostaria de registrar a força de minha avó, dona Júlia. Ela criou esses nove homens depois da morte do marido com muita união e rigidez. Meton de Alencar, pai dela, é descendente da família de José de Alencar. A origem da família é na divisa do Ceará com Pernambuco", finaliza Júlio.

Automóveis: desejo

Apesar de existirem poucas informações sobre a chegada do primeiro automóvel, há mais de cem anos, o mestre em História, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e autor do livro "Fortaleza Belle Époque", Sebastião Rogério de Barros da Ponte, ressalta que naquele ano, em 1909, além do automóvel, o cinema também foi introduzido no Ceará. "Três dos quatro primeiros cines de Fortaleza foram inaugurados: o Júlio Pinto, Rio Branco e Cassino. O primeiro, o Cine Di Maio, surgira apenas um ano antes, em 1908. Essas maquinarias modernas, que espantavam e encantavam os citadinos, completam um rol de novidades urbanas que vinham sacudindo Fortaleza desde os anos 80, como os bondes, o telefone, o Passeio Público, a Padaria Espiritual e o mercado de ferro importado da Europa (Mercado dos Pinhões, hoje). Com todos esses equipamentos que só os grandes centros possuíam, definitivamente Fortaleza tornara-se, àquela altura, uma cidade moderna", comenta.

Quando o primeiro carro chegou em Fortaleza, na cidade haviam apenas três grandes avenidas: Imperador, Duque de Caxias e Dom Manoel. Também não havia sinalização, pois que o que mais circulava nas ruas eram os bondes e eles eram lentos, já que eram puxados por burros. "Com a advinda dos automóveis e, logo depois, dos bondes elétricos, em 1913, vieram também os primeiros atropelamentos, fazendo com que as regras de trânsito urbano fossem se estabelecendo paulatinamente. O guarda de trânsito veio primeiro que o semáforo, mas somente a partir dos anos 1920", explica o mestre.

Sebastião destaca que para andar de bonde era exigido paletó, gravata e sapatos. Ou seja, era um transporte coletivo mais utilizado pela elite da época, já que os mais humildes não tinham essa indumentária completa. "Os bondes encurtaram as distâncias, disseminaram a paquera entre as mocinhas nas janelas das casas e os passageiros e provocaram a extensão do calçamento até os bairros que as linhas alcançavam".

A elite, na época, viajava para a Europa e via os automóveis rodando por lá. Os que não tinham a oportunidade de viajar, admiravam o meio de transporte nas revistas ou escutavam os registros eufóricos de quem tinha se deparado com um. O apelo dos carros soava irresistível: eram mais rápidos, confortáveis e modernos que as charretes e cabriolets (tipo de carruagem). "Ademais, se uma família rica comprava um, logo seu vizinho abonado deveria ter o seu também. A competição era grande para ver quem podia ter um carro, possuir a casa mais elegante, viajar mais vezes à Europa, dar a festa mais suntuosa e até erigir o túmulo mais imponente no Cemitério São João Batista", finaliza Sebastião.

Modernização do Ceará

O mestre em História Leonardo Ibiapina Beviláqua e autor da dissertação "O que vai pela cidade: Automobilidade e crimes de trânsito em Fortaleza na década de 1920" explica que optou por trabalhar com os anos 20 na sua pesquisa porque o número de carros no Estado na primeira década ainda era muito baixo. "A baixa quantidade de carros está vinculada ao valor de produtos importados na época, somada à condição periférica do Brasil no capitalismo mundial. Pelo que percebi, uma boa parte dos carros estava nas mãos de poucas pessoas. Eram proprietários das 'garagens' que alugavam os veículos como espécie de táxis", pontua.

Leonardo frisa que a modernização do Ceará tem, sim, ligação com a automobilidade. "Os defensores de uma cidade moderna associavam não só a existência do carro nas ruas como indício de modernidade, mas também a forma de lidar com sua circulação. Ou seja, saber andar nas ruas, observar o movimento do tráfego, andar pelas calçadas, desobstruir as vias e deixá-las livres para os carros também eram ideias que estavam em voga. O historiador explica que nos anos 20 as ruas ainda guardavam traços anteriores à chegada dos carros, com buracos, vias estreitas e poças de lama. Carros dividiam o espaço da rua com pessoas, animais, carroças, carrinhos de mão, trabalhadores braçais e também os bondes e seus trilhos.

Fique por dentro

Museu preserva raridades

Quem gosta de admirar carros antigos, pode visitar o Museu do Automóvel, em Fortaleza. Atualmente estão expostos 55 carros de maneira permanente no local.

De acordo com o presidente do Museu, Magno Câmara, os modelos estão sempre sendo renovado pelos colecionadores.

Os carros mais antigos do museu são da década de 20, da marca Ford. Dois carros expostos no local são icônicos: são dois veículos funerários antigos. O primeiro Cadillac conversível do Ceará, do ano de 1954, também pode ser encontrado no endereço, assim como veículos que participaram de novelas e séries da Rede Globo. Em 2016, o Museu do Automóvel celebrou 35 anos.

O espaço não se limita aos veículos raros. Publicações, objetos, jornais, revistas, veículos de duas rodas, placas. Além dos carros, os visitantes do Museu também podem conferir exemplos de bombas antigas de ar (usada para encher os pneus) e de combustíveis (que equipavam postos antigos). Tudo em ótimo estado e com riqueza de detalhes e rebuscamento que, nos tempos antigos, não faltavam nos projetos de design. A entrada custa R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia). Visite e não vai se arrepender.

Número

108 anos. Faz mais de um século desde a chegada do primeiro automóvel em Fortaleza. Máquina causou furor e curiosidade na população.

Mais informações

Museu do automóvel de Fortaleza

De terça a sexta, 8h às 18h. Sab. E domingos, 9h às 18h. End: Rua Jornalista César Magalhães, 862, Guararapes. Fone: (85) 3273.3129