À bordo do 'Xerife Blue'

Pouca estrada rodada juntos, mas um amor já declarado. Conheça a história do artista plástico Mano Alencar com o seu Fusca 1969 restaurado

Quem vê o artista plástico Mano Alencar ao lado do seu Xerife Blue, até pensa que estão vivendo um caso antigo de amor. O seu sorriso vai de uma ponta a outra do rosto enquanto comenta sobre as melhorias feitas na carroceria do seu Fusca Azul 1969 e cresce ainda mais quando assume o volante, sentindo a brisa fresca da capital cearense que adentra pelos quebra-ventos. E, se alguém o para na rua para elogiar ou até perguntar se pretende vender, o orgulho só aumenta de tê-lo ao lado.

Mesmo com paixão já declarada, a aquisição é recente. Na verdade, estão juntos há apenas nove meses. Mas, o sentimento intenso por esse modelo de carro, isso sim é de outros carnavais. "O meu primeiro carro, como o de muitos brasileiros, foi um Fusca 1978 branquinho, foi logo que eu comecei a minha carreira. E a gente acaba trocando de carro, porque vão chegando os mais modernos, ainda mais quando se é jovem. Mas, a vontade era ter ficado com aquele primeiro Fusca até hoje, mas não deu", lembra.

Apesar do desejo de reaver o Fusca estar incrustado em seu pensamento já há algum tempo, ele esperou a oportunidade aparecer. "Outro dia eu vi uma matéria interessante com o chef Olivier Anquier, que tem um fusquinha verdinho como esse também, e sempre que via ele fazendo uma matéria, eu ficava apaixonado e me perguntava quando ia ter o meu. E essas coisas às vezes tem o dia. Eu não fiquei como louco, eu deixei vir", pontua Mano.

Como novo

Se ele demorou para finalmente ter um fusquinha de coleção na garagem, logo compensou não poupando nenhum segundo a mais para restaurar. Assim que recebeu as chaves em suas mãos, encomendou os primeiros retoques. Ainda na primeira semana, gastou quase o mesmo valor que pagou pelo carro. "Isso é uma coisa tipo febre. Quando a gente começa a curtir o Fusca, participa do clube, dos encontros, você fica apaixonado. Então, cada pequena coisa que a gente encontra é maravilhoso, é uma terapia. A gente gosta até de lavar o carro. É um resgate daquela coisa mais humilde que a gente trazia do primeiro veículo", destaca.

Na lista, entrou mudança de forro do teto e troca dos estribos das duas laterais, das calotas, do retrovisor, das bordas do quebra-ventos e dos botões do painel, além de incluir um bagageiro de teto novo. No motor, não foi preciso muito, apenas substituiu o gerador por um alternador.

No entanto, para ele, ainda faltam alguns retoques, como cromar os para-choques. "Está faltando colocar um rádio antigo, da época do fim dos anos 70. E está chegando também a nova capa dos bancos", cita.

Banco do passageiro

"Eu sinto ciúmes do meu carro. Eu tenho três paixões envolvendo bens materiais: a bicicleta, o meu fusquinha e a sandália Havaianas, que quando pequeno era doido para ter, porém eu não tinha muitas condições. Hoje tenho uma sandália emoldurada na minha sala", ressalta Mano.

Todavia, apesar do discurso de que sente ciúmes, muitos já estiveram ao volante do Xerife Blue. Um deles foi o seu amigo Alceu Valença, o qual inclusive reclamou pelo termo inglês mesclado ao nome de batismo do Fusca. E quem talvez teria gostado ter dirigido, segundo Mano, fosse Belchior. "Ele adorava carro antigo. Nós éramos muito amigos e tínhamos uma amiga em comum que tinha uma Variant cor de abóbora. Sempre que o Belchior vinha para Fortaleza, ele já falava: 'pega a Variant da Ana e vai me pegar no aeroporto'. E ele já vinha dirigindo num verme danado", recorda.

Na estrada

O Xerife não é o seu automóvel principal, no entanto tem planos de uma viagem a Jericoacoara a bordo nele, mesmo com um SUV Toyota SW4 em sua garagem. Ele já fez uma vez com um Fusca de um amigo e agora quer repetir a dose com o seu próprio. "Ir é uma aventura, é extremamente prazeroso para quem gosta de Fusca. E, para mim como artista, que vai vendo a paisagem com calma, vou parando nas pequenas comunidades, levo uma rede, boto na árvore e almoço uma galinha pé-duro, isso é um resgate da minha infância. Adoro isso", descreve.

Dentro de Fortaleza, diante do calor da cidade e combinado com a ausência do ar-condicionado, o jeito é circular em horários estratégicos, como de manhã cedo ou ao fim da tarde pela Beira Mar ou Praia do Futuro. E se o suor descer, tem ainda um ventilador pequeno de plano B, para tornar o passeio mais agradável.

"Ele é um carro que hoje eu sinto prazer em dirigir, me sinto mais seguro por incrível que pareça. Eu paro no sinal, flanelinha não chega nem perto para pedir um trocado. Ando de vidro aberto, porque não tem ar, tem aquela direção gostosa de porcelana bonita, um rádio antigo. É uma coisa extremamente poética, me sinto muito bem no meu Fusquinha", relata Mano.

Não troca, não vende

E se na juventude ele trocou o Fusca por um modelo mais moderno e arrependeu-se, agora não vai cometer o mesmo erro. O plano é perpetuar pela família, embora não falte proposta para comprar esse carro por onde passe. "Este aqui eu vou deixar de presente para a minha neta Maria Eduarda, que ama este Fusca. Ela sempre pede 'vamos no meu fusquinha'", comenta.

Aliás, mais do que manter o Xerife, apesar desse romance ser recente ainda, por vezes já pensa em dividir o amor com outro Fusca. "Eu já fico louco para ter outro, mas fico pensando também que é passar do limite. No máximo é que eu posso ter é uns dois, não sei. Ou uma lambreta ou uma vespa, que gosto muito", confessa. Mas, por enquanto, é só lua-de-mel com o Xerife.