Legislativo Judiciário Executivo

De venda de equipamento à má prestação de serviço: 5 pontos da sabatina do presidente da Enel na CPI

O atual diretor-presidente da Enel Ceará, José Nunes de Almeida Neto, participou de oitiva e falou sobre os planos da empresa para conter a crise

Escrito por Igor Cavalcante, Alessandra Castro, Ingrid Campos ,
Diretor-presidente da Enel no Ceará, José Nunes de Almeida Neto
Legenda: Diretor-presidente da Enel no Ceará, José Nunes de Almeida Neto
Foto: Ismael Soares

Já na reta final dos trabalhos, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a Enel Ceará realizou uma oitiva com o atual diretor-presidente da distribuidora, José Nunes de Almeida Neto. O executivo, ouvido nessa quarta-feira (24) na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), assumiu o cargo no último dia 4 de abril.

Ele compareceu ao colegiado com um habeas corpus preventivo que lhe garantiu o direito ao silêncio, a não ser compelido a responder qualquer pergunta de caráter sigiloso de terceiros ou da empresa, a assistência de advogados durante sua oitiva e o direito de não ser obrigado a assinar termo de compromisso de dizer a verdade. O executivo, no entanto, respondeu a todas as perguntas.

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O interrogatório foi aberto pelo relator da CPI, o deputado estadual Guilherme Landim (PDT), responsável pela apresentação do relatório final aos membros da CPI da Enel. O documento, a ser encaminhado aos órgãos competentes, irá reunir denúncias, detalhar todas as investigações e sugerir sanções para a empresa. O texto precisará ser aprovado pelos parlamentares. A expectativa é que o documento fique pronto no início de maio.

A comissão tem até o dia 10 de maio para fechar o texto, mas os deputados querem dar mais celeridade a esse processo. Isso porque ele será enviado ao Ministério de Minas e Energia para ajudar a compor um decreto que o Governo Federal editará sobre o tema.

O relatório também deve encaminhar uma sugestão ao Congresso de abertura de uma CPI da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que "mais parece um puxadinho para defender as concessionárias do que defender o interesse do povo", diz o presidente do colegiado, Fernando Santana (PT).

O Diário do Nordeste separou os cinco principais pontos que foram tratados na sabatina com o diretor-presidente da Enel.

Reconhecimento das “falhas”

Em diversos momentos, o diretor-presidente reconheceu "falhas" da empresa e reforçou o compromisso de resolver os problemas apontados pela população.

Ele disse que a empresa não é conivente com as incorreções e, por isso, vem passando por uma reestruturação. Neste mês, o Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon), do Ministério Público do Ceará, multou a distribuidora em R$ 10 milhões pela falta de energia em localidades cearenses durante as últimas festas de Réveillon. A companhia ainda pode recorrer da decisão.

"Eu lhe asseguro que, absolutamente, a direção da Enel não é conivente com as penalidades e eventuais incorreções. A Enel passou, no Brasil e no Ceará, por uma recente reestruturação, com o propósito de focarmos intensamente na nossa atividade de distribuição e buscamos resgatar os níveis de excelência que tivemos no passado. Pude compartilhar por seis anos a Enel sendo a melhor distribuidora do Brasil, aqui no Ceará. Nosso propósito é ‘retrilhar’ esse caminho"
José Nunes de Almeida Neto
Diretor-presidente da Enel Ceará

Durante a oitiva, o diretor-presidente chegou a pedir perdão pelas falhas da empresa. “Uma empresa de utilities têm que cultivar a humildade, escutar e ter uma escuta ativa. Como cultivo isso, não tenho nenhuma dificuldade de pedir desculpa aos cearenses que foram afetados por algum transtorno originário do fornecimento de energia elétrica, e firmar o compromisso de olhar para a frente e, no futuro, de não nos conformarmos com o mediano”, completou.

Outro ponto questionado pelos deputados foi sobre a demora da Enel Ceará em ressarcir os clientes com equipamentos danificados por instabilidades do fornecimento elétrico.

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“Temos um rito de como o consumidor pode reclamar, naturalmente, nem todos queimam por problema na rede, é comum só um aparelho na residência, então a primeira coisa que a gente faz é verificar se houve alguma oscilação na rede, mas vamos aprofundar e daremos uma resposta”, disse.

Os parlamentares, de forma recorrente, questionaram sobre o motivo de tantos problemas na empresa. Entre os motivos levantados por eles estão as dívidas da controladora italiana Enel, a saída de técnicos da própria empresa em detrimento da contratação de terceirizados e a falta de investimentos no Estado.

Nunes fez uma mea-culpa e alegou que os problemas têm várias causas.

“Para uma empresas de utilities, seja de energia, saneamento ou outra, olhar para o aspecto causa-efeito não é simples para sintetizar uma resposta, dizer que este é o ponto. Entendemos que uma empresa como a nossa normalmente não tem uma única causa. A percepção geral é que talvez tenhamos nos distanciado da essência do nosso negócio de distribuição. Temos outros negócios, muitos na área de geração, atuamos muito na área de renováveis e a avaliação que fazemos é que precisamos ter foco máximo na área de distribuição”, disse.

Compromisso de melhoria e investimento no Estado

O diretor-presidente assumiu o compromisso de solucionar os problemas no Ceará e melhorar a imagem da empresa no Estado.

“Eu estou atrás da entrega, não apenas da promessa, então me comprometo com os senhores e senhoras que será uma busca incessante. Eu sei o quanto somos capazes, sei o quadro que a Enel Ceará possui, não nos conformaremos com o mediano, queremos estar entre as melhores distribuidoras do Brasil, o mediano não nos satisfaz”, disse.

Ele ainda reforçou que a mudança na gestão será no Brasil, não apenas na Enel Ceará. “Nas minhas tratativas e meus compromissos com meu chefe, há acordos para que tenhamos autonomia necessária para essas mudanças”, acrescentou.

R$ 1,6 bilhão
deve ser investido pela Enel no Ceará nos próximos três anos

O executivo ainda reforçou que a empresa tem um plano de investimentos de R$ 1,6 bilhão, focado, principalmente, em aumentar a relação de proximidade com o cliente e agilidade dos serviços no Ceará. Outra meta, segundo ele, é investir 70% desse montante na expansão da rede, com ações para garantir novas ligações e o fornecimento de qualidade aos atuais clientes. 

"O que o cliente mais nos cobra é proximidade, empatia e agilidade nas demandas. Essa proximidade, desde o (meu) primeiro dia na Enel, isso numa estrutura Brasil, porque também mudou nosso presidente a nível Brasil, a (Enel está) em busca de uma empatia e de maior proximidade com o cliente", reforçou. 

Para isso, segundo ele, a empresa tem buscado resolver problemas de forma "conjunta" com órgãos e população.

Ainda sobre investimentos, o executivo disse ter “convicção” de que recursos da Enel Ceará não são enviados para a Itália, sede mundial da empresa. “A Enel Ceará é uma empresa listada em bolsa, de capital aberto, com acionistas minoritários, então, posso complementar com números, mas lhes asseguro que não é possível, por sua própria estrutura de capital”, informou.

Apesar disso, para os deputados, a oitiva não foi de todo elucidativa, uma vez que houve projeções positivas por parte da Enel, mas poucas explicações sobre problemas anteriores da concessionária. 

"As respostas foram vagas e nós não tivemos uma comprovação real de que vamos ter um bom serviço agora porque não diz por que motivo não tinha antes, então se não diz qual era o fato gerador daquele problema, nós não temos como saber porque é que vai resolver, então fica esse incômodo. Mas nós vamos continuar com a elaboração do relatório da forma como a gente vinha antes, cobrando todos os entes"
Guilherme Landim (PDT)
Relator da CPI da Enel

"Tudo bem, ele assumiu há pouco menos de um mês, mas não falou nada para trás. Se ele tem o mesmo orçamento, se ele tem o mesmo número de funcionários e está vendendo essa nova perspectiva, por que não fizeram antes? Era negligência de alguém? Era falta de compromisso de alguém? Era falta de uma boa gestão? Isso não foi respondido claramente a essa comissão"
Fernando Santana (PT)
Presidente da CPI da Enel

Antes de José Nunes, a Enel Ceará foi dirigida por Márcia Sandra ao longo de anos. Ela chegou a ser convocada para o interrogatório desta quarta-feira, mas justificou a ausência com o fato de não ocupar mais cargo na companhia e com um atestado médico.

Contratação e formação de profissionais

Outra mudança anunciada por Nunes é a de aumentar a contratação de profissionais próprios, já que a maioria dos técnicos e eletricistas da companhia são terceirizados. 

"Nós temos uma estruturação para contratação de profissionais próprios. Nós somos uma empresa que é muito terceirizada, nós trabalhamos com 10.650 profissionais, e tínhamos aproximadamente 1.040 profissionais próprios", reforçou. 

"No sentido de estruturar melhor a área técnica e poder propiciar essa maior agilidade, nós construímos três centros de formação e treinamento com o Senai, um em Fortaleza, um outro em Sobral e um outro em Juazeiro do Norte. Contratamos 446 eletricistas formados por esses centros com 320 horas de formação. Contratamos também duas turmas de mulheres eletricistas", disse.

3
centros de formação de eletricistas irão fornecer técnicos para a Enel

Segundo Nunes, a expectativa é de que os centros de formação da empresa formem até 3,1 mil eletricistas por ano, parte desse grupo será contratada pela própria Enel Ceará, outros serão direcionadas para parceiros e um terceiro grupo ficará disponível no mercado para outras empresas do setor.

Ainda conforme o executivo, os profissionais formados nos três centros e contratados pela Enel serão distribuídos por todas as regiões do Ceará, para um atendimento mais ágil da população local.

Investigação sobre venda de equipamentos

Em um dos momentos da CPI, o deputado Fernando Santana (PT), que preside o colegiado, revelou que o colegiado investiga uma suposta venda parcial, no mercado paralelo, de equipamentos adquiridos pela distribuidora para fazer a manutenção da rede elétrica do Ceará.

"Eles (Enel Ceará) teriam comprado R$ 700 milhões de equipamentos para manutenção (da rede no Estado) e estariam vendendo parte desses equipamentos no mercado paralelo. Por isso, o Estado do Ceará estaria sem manutenção. Nós estamos apurando essa denúncia, nós vamos questionar, direito nosso, nós estamos no finalzinho da apuração"
Fernando Santana (PT)
Presidente da CPI da Enel

Ao ser confrontado com a denúncia, José Nunes Almeida Neto negou que a venda teria ocorrido. “O que há, como em qualquer empresa, é que, muitas vezes, quando tem um equipamento - um cabo, um fio -, que se torna obsoleto para as atividades da empresa, ele é disponibilizado no mercado. Isso é comum no setor elétrico, em todos os setores, não apenas no setor de distribuição”, explicou posteriormente, em coletiva de imprensa. 

Ainda conforme Fernando Santana, a concessionária de energia estaria "terceirizando o serviço" com a empresa Equatorial Piauí. A Equatorial é responsável pelo abastecimento de energia no estado vizinho e já chegou a abrir diálogo para comprar a operação da Enel Ceará. A negociação, todavia, acabou não avançando. 

"Nós temos fotos e vídeos demonstrando que eles estavam terceirizando o serviço com a empresa Equatorial, que faz o Piauí aqui vizinho", acrescentou o parlamentar. A reportagem também procurou a Equatorial Piauí para saber a ligação da empresa com a Enel Ceará. Em caso de resposta, o texto será atualizado. 

Concessão

Diante dos deputados, José Nunes Almeida Neto admitiu que é uma preocupação da cúpula da Enel Ceará que a concessão para que a empresa opere no Ceará não seja renovada. 

“Se olhamos numericamente, o nível de investimento que a Enel Ceará tem é o maior da história, não há uma depreciação, e o que acenamos para os próximos três anos é nesse patamar. A renovação da concessão preocupa a Enel, preocupa muito, esperamos que quando chegar a esse momento a gente esteja sendo uma empresa desejada pelos cearenses”
José Nunes Almeida Neto
Diretor-presidente da Enel Ceará

O contrato, firmado com a Enel Ceará em 1998, tem vigência até maio de 2028. Em meio a atual crise com a empresa, parlamentares já acusaram a empresa de quebrar o acordo com o Estado. 

Contudo, conforme mostrou o Diário do Nordeste em fevereiro deste ano, a declaração da caducidade de uma concessão de distribuição de energia no Brasil é uma medida extrema e, para que ocorra, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), instituição ligada ao Governo Federal, precisa, após um processo administrativo de investigação, comprovar que a empresa responsável não tem capacidade de cumprir com as obrigações da atividade previstas em normas da própria agência e também as expressas no contrato de concessão.

Para uma eventual ação, a Aneel analisa critérios como o tempo médio e a quantidade de interrupções sofridas pelas unidades, critérios que a Enel Ceará têm mantido abaixo do limite, o que inviabiliza uma ruptura de contrato.

Questionado se um novo pedido de caducidade do contrato ao Ministério de Minas e Energia poderia ter a mesma recepção que o caso de São Paulo teve, o relator disse que a CPI tentaria um encaminhamento similar, caso fosse necessário. No começo do mês, o titular da pasta federal determinou que a Aneel abra um processo que pode levar à quebra de contrato da concessão da distribuidora na região metropolitana da capital paulista. 

"Nós vamos discutir isso com todos os pares, mas eu acho que temos que solicitar. Isso não é uma coisa simples, e nós nunca imaginamos que fosse. Mas só com uma definição de que é necessário quebrar o contrato se continuar dessa forma, é que nós teremos uma empresa resolvendo o problema para que não seja colocada para fora daqui", avaliou Landim.

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