'Baile perfumado' de Lampião volta em filme e novela

Escrito por
Xico Sá producaodiario@svm.com.br
Legenda: “Baile Perfumado” tem direção de Lírio Ferreira e Paulo Caldas
Foto: Divulgação

Sucesso até hoje nos serviços de streaming e exibições recentes na TV aberta brasileira, o filme “Baile Perfumado”, dirigido por Lírio Ferreira e Paulo Caldas, foi o longa-metragem pernambucano que abriu caminho, ainda em 1996, para as produções premiadas do Nordeste em festivais do mundo inteiro.

A obra-prima traz uma abordagem nova para o velho tema do cangaço. A fita teve o auxílio de Frederico Pernambucano de Mello, autor de “Guerreiros do Sol”, livro que também serviu de guia para o roteiro da novela homônima que a Globoplay exibirá em breve.

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O que tem de novo no filme?

Depois de pelejas sangrentas, com inimigos mortos a tiros de rifle ou golpes de punhal, Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, reunia o seu bando no meio da caatinga para um baile perfumado — como ficou conhecida a festa em que o rei do cangaço, ao lado de sua mulher Maria Bonita, se lambuzava do perfume francês de Fleurs d’Amour, bebia uísque White Horse, dançava xaxado e esquecia, por um momento, que era o homem mais procurado pela polícia no Brasil dos anos 1930.

Em clima de Bonnie & Clyde (o casal criminoso que reinou durante a era da depressão econômica americana), a dupla de cangaceiros comandava um grupo de cerca de 50 seguidores em aventuras pelo sertão do Nordeste. São incalculáveis o número de mortes realizadas pelos bandoleiros em casarões de fazendas ou invasões a pequenas cidades.

Mesmo assim, por causa de algumas ações em que Lampião distribuía moedas com os mais pobres em feiras livres do interior, permanece até hoje, no imaginário popular, a versão de um herói ao estilo Robin Hood. É com esta aura que é apresentado, por exemplo, no livro “Bandidos”, do historiador britânico Eric Hobsbawn. A tese do banditismo social também vingou na literatura de cordel e na música brasileira.

Em contraponto, o autor de “Guerreiros do Sol” afirma que Virgulino usou o cangaço como “meio de vida”, obtendo vantagens materiais — cita os bilhetes que ele enviava a prefeitos, exigindo dinheiro para não invadir seus municípios. A vaidade e o consumo de produtos luxuosos em pleno sertão, como perfumes e bebidas, revelam um Lampião endinheirado, na análise do escritor.

O baile perfumado foi conhecido graças ao fotógrafo libanês Benjamin Abrahão, que obteve a permissão do cangaceiro para acompanhá-lo no estado de Sergipe. Deve-se ao estrangeiro, que havia trabalhado como secretário do Padre Cícero Romão Batista — santo popular no Nordeste —, as raras imagens com o bando em ação, em filmagens de 1936-37.

Esse material havia sido apreendido pela Ditadura do Estado Novo, nos anos 1940, e foi considerado perdido por duas décadas. Somente em 1960, deu-se o resgate. Oito anos depois, o público teve acesso no “Memória do Cangaço”, de Paulo Gil Soares, parte do projeto de documentários “Brasil Verdade”.

Nascido em 1890, em Zahlé, cidade do Líbano que pertenceu ao Império Turco-Otomano, Benjamin havia sido caixeiro viajante no interior do Nordeste nas primeiras décadas do século 20. Foi assim que conheceu e se tornou amigo do Padim Ciço.

O ex-caixeiro viajante distribuiu fotos e reportagens sobre o rei do cangaço para jornais e revistas e ainda fez de Virgulino garoto propaganda da Cafiaspirina, um remédio para dor de cabeça. No anúncio, Lampião aparecia distribuindo a pílula para os cangaceiros, sob uma placa com o slogan “Se é Bayer, é bom”.

Vera Ferreira, neta do rei do cangaço e co-autora do livro “De Virgulino a Lampião” (com Amaury Correia Araújo), contestou a imagem do avô levada ao cinema. “Tenho vários depoimentos de cangaceiros que estiveram com meu avô no sertão. Todos testemunham que bebiam cachaça e não uísque White Horse. E que ninguém se perfumava com a fragrância francesa Fleur d´Amour”, divulgou, na época do lançamento do filme.

Benjamin Abrahão foi assassinado em 7 de maio de 1938, com 42 facadas, na cidade pernambucana de Itaíba. Três hipóteses foram levantadas sobre o crime: teria sido morto por um marido ciumento, foi vítima de latrocínio ou, como nas especulações frequentes, acabou eliminado por “cabras” da Ditadura Vargas — as imagens do cangaço haviam causado muito constrangimento ao governo. Haja história boa!

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

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