Quando o foco é a doença, os pacientes se apagam

Legenda: Quem trata somente a doença não trata um ser humano, mas apenas um diagnóstico frio
Foto: jossnat/ Shutterstock

Profissionais de saúde são educados para tratar de doenças. Infelizmente, muitos não leram esta primeira frase com estranhamento. Alguns, agora, releram a frase “profissionais de saúde são educados para tratar de doenças” e, ainda assim, não compreendem por que tal frase deveria gerar estranhamento. Entenderemos:

Adoecer é uma experiência subjetiva, que sofre influência de diversos fatores que podem amenizar ou acentuar algumas dores – e.g: a presença ou não de uma rede de apoio, recursos financeiros, estado psicológico etc. Uma experiência de adoecimento transcende a fisiopatologia de uma doença.

Quando o foco de atuação dos profissionais de saúde se resume ao tratamento de doenças, o paciente fica em segundo plano. Enxergam sua patologia, mas ignoram seu sofrimento e o acentuam de modo desnecessário. Quando o foco é a doença, os pacientes se apagam.

Como exemplo ilustrativo, compartilho uma experiência recente: após uma investigação, consultas e exames, iniciei um tratamento para um problema em minha mão que tem me causado dores. O tratamento inclui fisioterapia diária. Apesar de atrapalhar bastante minha rotina, fico feliz por ter possibilidade de tratamento.

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Escolho a clínica mais perto de minha casa, 200 metros. Adentro. Relato o encaminhamento, a dor. Como resposta, escuto: “Hunrum, carteirinha do plano e guia”. Desce amargo, respiro, continuo: “E como é o funcionamento daqui? Quais são os horários de atendimento?”. “Ordem de chegada. Se quiser ser atendida, sente e espere”. Aceitando minha sina, sento, espero.

Inicio o tratamento. A profissional de saúde lê algo, creio ser meu prontuário. Não me pergunta da minha própria dor. Não pergunta meu nome. Nesta sala escuto: “Vire para lá, vire para cá. Coloque o braço aqui. Tire o braço. Pode entrar. Pode sair.”. Como um robô, respeito aos comandos. Como um ser humano, só quero fugir. Entrei muda, saí calada. Minha mão está em tratamento, minha saúde, creio que não.

Diante da incredulidade perante a frieza do olhar doutoral, logo me recordo de Tolstói, que, há 136 anos, escreveu: “Somente uma questão tinha importância para Ivan Ilitch - a sua condição apresentava perigo? Mas o doutor não dava atenção a essa questão inconveniente. Do seu ponto de vista, ela era ociosa e não merecia exame (…) Tudo se passou como esperava, isto é, como sempre acontece nessas ocasiões: a espera, um ar importante e artificial, doutoral (...) as batidas no paciente, a auscultação (...) temos um padrão único para todas as pessoas”.

É um padrão que despersonaliza. Quem trata somente a doença não trata um ser humano, mas apenas um diagnóstico frio – estampado e ilustrado nas páginas da literatura médica. Ao se resumir à técnica – e isso se aplica a qualquer profissão – para ignorar ou minorar a experiência subjetiva de uma pessoa, infelizmente, andamos a passos largos para longe do acolhimento que humaniza.

E, lembrando, aos profissionais meramente técnicos, a tecnologia pode suplantá-los. Aos profissionais que nos humanizam, este sim, robô algum poderá substituí-los. A eles, todo o meu respeito – e que se proliferem. Mais que um tratamento, precisamos de uma mão amiga.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora