Não estamos preparados para 2024

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“- Está preparado? – Não estou preparado, mas estou pronto”. Com frequência mastigo este trecho de um livro de Victor Hugo - no primeiro dia do ano, este diálogo lateja de modo insistente por aqui.

Independentemente de eu estar preparada ou não, o novo ano chegou e mesmo que eu ainda esteja digerindo o ano anterior, só me resta estar pronta, sem a menor pretensão de estar preparada. O balanço dos últimos anos me tirou a ilusão de estar preparada para muitas coisas, especialmente para cada ano que se estende diante de nós.

Estarmos preparados para algo demanda a capacidade de prever o que vamos enfrentar e, antecipadamente, nos colocarmos em condições adequadas de encarar o desafio. É possível estarmos preparados para uma prova, para um concurso público, para uma entrevista de emprego, mas, para a vida – com todas as suas circunstâncias e imprevisibilidades – não há edital ou gabarito possível.

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Embora seja possível nos preparar para eventos ou provações específicas, como seria plausível estarmos preparados para os 365 dias que se seguem, sobre os quais nossas ações são apenas a ponta do iceberg? No cenário mais amplo, nossos atos são ínfimos diante de contextos macrossociais, políticos, ambientais, de acasos inexplicáveis.

É impossível estar preparado para o imponderável, para o desconhecido, para as variáveis inesperadas, para os grandes pontos de interrogação que se colocarão no meio do caminho ao longo dos próximos 12 meses.

Essa imprevisibilidade é inerente à dinâmica da vida – faz parte. Contudo, a “aura” do ano novo, com suas listas, metas e tentativas de instalar novos hábitos, nos cria a impressão do contrário, ou seja, de que temos 100% de controle sobre o que nos acontece, de que é possível estarmos preparados para todas as adversidades e reviravoltas que o ano, ou até as próximas 24 horas, nos imporão à nossa revelia. Não é à toa que, nesta época do ano, somos bombardeados por ofertas de livros e cursos que nos prometem receitas milagrosas para o “sucesso” financeiro, pessoal e profissional. Afinal, para estarmos “preparados” para o ano que se inicia, nada melhor do que seguir os “passos certos” para o “sucesso”.

À medida que o ano avança e que constatamos, não sem perplexidade, que as maiorias das nossas metas estão a ver navios, tendemos a mergulhar em mal-estar. Ora, se estávamos tão preparados no início do ano, tão resolutivos, como foi possível não termos previstos tantas coisas? Como foi que passou despercebido que determinada eventualidade poderia ocorrer? As narrativas em voga no mundo moderno criam a impressão de que estamos totalmente preparados, de que temos o controle do timão da vida.

Diante desse cenário, e para que tenhamos um ano mais realista e mais acolhedor com nós mesmos, é preciso “baixar a bolinha” e admitir: não estamos preparados nem para as próximas 24 horas, muito menos para os próximos 365 dias. Isso não quer dizer, entretanto, como Victor Hugo nos ensina, que não estejamos “prontos”.

Por mais que não compreendamos como, estamos prontos para as adversidades, para os bons e maus encontros, para as realidades inesperadas – afinal, isso é a vida, um poço de circunstâncias. Estamos prontos para encontrar um sentido, um direcionamento em meio a essa aleatoriedade do viver. Podemos nos sentir perdidos, sem perspectivas, mas estamos prontos - isso é o suficiente para as próximas 24 horas, para os próximos 12 meses.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora