O plano cruzado, o técnico do Flamengo e o otimismo potencial

Iniciamos o segundo trimestre de 2023 com uma sensação de estagnação. Questões políticas, guerra e conjuntura econômica trazem incertezas que fazem com que os empresários tenham os pés voltados para trás nos seus movimentos de crescimento e, por conseguinte, de investimentos. O que fazer nessa situação? Parar!!!

Nasci em 1981 e só peguei algumas das crises econômicas naturais e cíclicas do nosso país. Lembro de perguntar para meu pai quem era o tal do SUNAB que a gente ligava de graça pelo número 198 para ser um “Fiscal do Sarney” e dizer para o “Sr. Sunab” que o supermercado estava subindo de preço. Sim, esse era o método de controle pensado pelo líder do executivo em meados dos anos 1980, totalmente mazela no quesito operação. Só que não para por aí, ainda piora.O que ele fez? Um congelamento de preços para o setor produtivo que tinha uma lista com preços fixos para os produtos, a famosa lista da SUNAB (Superintendência Nacional de Abastecimento). O que aconteceu? Uma intervenção do Estado na economia que fez com que as prateleiras ficassem vazias.

Não foi nem a primeira, nem a última vez que essa ideia “flopou”. Outro dia, a Argentina fez isso e tá aí, numa crise danada (de novo). Essa metodologia apenas coloca na mente do consumidor uma sensação de que os preços não irão subir e faz com que o líder idealizador pareça uma pessoa preocupada com seu bolso e controlador de forma automática da inflação, como se fosse algo que dependesse apenas dele. Nasce aí a ideia de solução feita por um ser alado, magico, sábio e especial. Não foi o caso e diferente assim será para questões tão complexas.

Como congelar preços num mercado que não somos donos do todo?

Imagina aí o Nescau. O cacau vem da Costa do Marfim, onde é coletado em meio a uma guerra civil, onde a logística interna acontece por meio de acordo com grupos guerrilheiros, que compram de forma contrabandeada armas francesas e repassam as taxas de tais aquisições para que as áreas produtivas possam continuar seu trabalho. Até aqui eu nem falei do cacaueiro e seus produtores.

O cacau é trazido por meio de navios dinamarqueses, feitos com minério de ferro da australiana Rio Tinto, em estaleiros coreanos, com combustíveis da Arábia Saudita e trabalhadores angolanos. O achocolatado em pó precisa de um rótulo feito com papel canadense e impresso em máquinas Heidelberg alemãs.

Para transformar em pó se faz necessário comprar um evaporizador de película descendente de alguma fábrica chinesa. Não precisa explicar mais do que isso para entender que o Nescau não contava com a boa vontade de costa marfinenses, franceses, dinamarqueses, australianos, coreanos, sauditas, angolanos, canadenses, alemães e chineses para que o Sarney tivesse sucesso no seu projeto. Seu preço não podia ficar congelado quando sua produção era formada por fornecedores e insumos que não tinham nenhuma participação na economia brasileira. A ideia era realmente de jerico.

Esse é apenas um problema dessa metodologia de impacto estatal no mercado

O fato é que o Sarney buscou uma melhora de imagem para si, algo que desse sustentação política e não colocasse um risco a sua gestão. Para a economia, era nítido que não existiria sustentabilidade. Assim como o Plano Cruzado, tivemos outros momentos difíceis, como o Plano Bresser, Plano Verão, Plano Collor (o nome mesmo era Plano Brasil Novo) e Cruzado Novo. Todas essas crises nasceram de projetos que buscavam sustentação política e não uma solução realmente confiável para o problema central, que era ter uma moeda realmente estável.

Nasce então o Plano Real

Apenas com o Plano Real com estudo, planejamento, tempo, ajustes e crença no projeto que a nossa busca por uma moeda realmente decolou.

Se não existisse um otimismo e uma luta contra um ecossistema “do contra”, um líder do executivo assumindo um risco político (ajudou o fato do Itamar não ter lá muito a perder) de ter sucesso, sabendo que o fracasso seria sua derrocada, permitiu que tenhamos, hoje, 29 anos de uma moeda permanente em nosso país.

Nem por isso as crises deixaram de existir, pois o mundo globalizado nos entrega uma série de situações desafiadoras para uma economia ainda buscando a maturidade e, assim, passamos pela crise asiática, crise da bolha tecnológica, crise imobiliária americana, crise das commoditie.

Enfim, o Brasil sempre viverá um cenário de crises, cabe ao gestor acreditar no seu negócio, nas suas ideias, convicções e seguir seu projeto de acordo com o planejamento e análise dos KPIs.

Gestores que buscam salvar o seu pescoço e não o negócio são comuns

Nesta semana, o CIES Football Observatory (Centro de Inteligência em Esportes - Suíça) lançou o resultado de um estudo feito em 75 ligas e 18 mil jogos de futebol pelo mundo. No relatório, foi observado que estilo de jogo mais bem-sucedido atualmente é o jogo posicional com pressão no ataque. Das principais ligas europeias, apenas a liga alemã joga em um padrão diferente, pois faz uma alternância entre jogo posicional e ataques com troca de passes rápidos.

Na América do Sul, o estilo mais comum segue uma linha diferente, que é o jogo de projeção com ataques rápidos, mas sem um sistema de posicionamento dos atletas e, sim, dos setores do campo.

O estudo dá luz a uma corrente que entende que o futebol evoluiu para um nível de qualidade, polivalência, conhecimento tático amplo do jogo, e não da sua função apenas. O jogo posicional entrega na prática essa teoria no campo. Mas o que seria esse jogo? Basicamente, o jogo posicional pede que você tenha a posse de bola e que aquele atleta que está com a bola tenha vantagem técnica ou de posicionamento perante o seu marcador. Por ser um jogo de muitas trocas de passes, isso faz com que atletas que estão acostumados a jogar de forma especializada em seu setor (zagueiro na defesa, atacante lá na frente) tenham que ampliar suas habilidades para além de suas habituais funções, deste modo o time possa avançar em bloco com alta pressão na saída de bola do adversário.

O técnico supercampeão do futebol na atualidade Pep Guardiola é, hoje, uma espécie de patrono desse tipo de jogo e quem acompanha seus times fica fascinado com a forma que a bola corre em campo. Se até aqui você achou confusa essa explicação, eu vou usar uma explicação do ex-técnico do Botafogo, o Eduardo Barroca para ajudar. 

“Imagina que alguém te fala: vocês dois vão sair na porrada agora, num quadrado, durante 10 minutos. Por sete minutos, um de vocês vai poder ter um porrete na mão. E nos outros três, o outro terá o porrete. Para mim, a bola é o porrete. Não quer dizer que eu vou vencer, posso ter o porrete e você pode me acertar um soco no queixo. Mas se alguém me perguntar se prefiro ficar mais tempo com o porrete, prefiro. A lógica para mim é essa. A bola é uma forma de me aproximar de vencer e afastar o adversário da vitória.”
Eduardo Barroca, em entrevista ao O Globo

Sim, e o que tem de conexão entre o jogo posicional e o método de controle inflacionário do Sarney que buscava mais salvar o próprio pescoço?

Bom, a gente se acostuma a falar de político, mas tem gestor que faz o mesmo em vários setores. Essa semana correu a notícia que o Flamengo, mais uma vez, decidiu trocar seu técnico durante a temporada. Foram 9 técnicos diferentes desde a chegada de Landim na presidência do Flamengo no início de 2019. Entre tentativas de modernização do estilo de jogo e mudanças de estratégias repentinas em busca de sobrevivência política, o mandatário rubro-negro já distribuiu R$ 34 milhões em multas para técnicos contratados para implantar um método de jogo moderno para o time carioca.

Foram R$ 11,4 milhões para mandar embora o espanhol Domenec Torrent, que era o auxiliar técnico número 1 do Guardiola. Outros R$ 7,7 milhões para mandar mais cedo para casa o português Paulo Sousa e, nesta última terça, mais R$ 15 milhões para que o técnico Vitor Pereira saísse antecipadamente do seu contrato de um ano com apenas quatro meses de trabalho.

Os técnicos eram ruins? Não tenho base de conhecimento para julgar, mas todos tinham algo em comum: eram técnicos de uma escola de estilo de jogo posicional.

Qual o erro do Flamengo? Tentou mudar seu estilo sem planejar a aquisição de atletas que tivessem cultura de jogo nesse estilo, não permitiu que o técnico tivesse tempo de implantar e ajustar as mudanças, não teve confiança na sua decisão e crença na força de que essa decisão poderia trazer uma estabilidade ao time. Basicamente, o Landim fez um congelamento tático e disse para que todos fizessem dar certo em um mês. Não existe sucesso em mudanças tão drásticas sem crença, planejamento.

Acontece no país, acontece no seu time, acontece nas empresas. Assim como o Brasil, o Flamengo é um berço de crises em um microcosmo do futebol.

Qual a saída para vencer a crise instalada no clube em 2023? Trazer o técnico salvador, o Jorge Jesus para salvar um ano que antecede o período eleitoral no clube. Nessa roda de soluções a custo prazo, as oportunidades de construção de metodologias realmente sustentáveis vão ficando para um futuro incerto e a estabilidade real nunca vem. E como ambos não quebraram ainda? Ambos têm algo em comum na hora que avançam, que é uma massa de pessoas capazes de mover montanhas alimentados por um negócio chamado OTIMISMO.

Como o otimismo deu um toque inicial na retomada econômica brasileira?

O ano de 2004 e a autoestima do brasileiro estava em baixa, as pesquisas mostravam que o descontentamento com o cenário de incertezas de um novo governo estava emperrando os investimentos. Eis que o publicitário Luís Lara, da agência Lew Lara, lança uma campanha, assinada pela ABA – Associação Brasileira de Anunciantes e veicula naquele ano as pecas emissoras de TV, rádio, jornal e out of home com o slogan “Sou Brasileiro e não desisto nunca”, a campanha que tinha a música “Tente Outra Vez”, de Raul Seixas, retratava histórias de superação de famosos e cidadãos comuns que passaram por momentos muito difíceis e superaram as dificuldades. Uma das peças mostrava o jogador Ronaldo (o Fenômeno) que falava do quase fim de sua carreira com as lesões no joelho e a sua redenção com os gols na final da copa do mundo de 2002. O Brasil não vivia, naquele momento, uma mudança interna drástica, o cenário externo era favorável, mas o estopim dos investimentos começou naquele ano com o dinheiro girando pela mão de uma população que decidiu acreditar. A campanha de Luís Lara foi absorvida pelo Governo Federal, que de forma inteligente surfou no slogan positivista e colocou os mesmos elementos nas campanhas de ministérios, bancos estatais e do próprio Governo Federal institucionalmente.

Como sair do marasmo que se instalou em 2023?

Estamos em 2023, ontem tivemos o primeiro sinal de que a inflação terá um menor patamar do que o esperado. Temos a queda dos valores das cestas básicas em 13 capitais, uma queda do dólar para um patamar baixo de R$ 5,00 e uma retomada ainda pequena da bolsa de valores. Temos elementos factíveis para acreditar, mesmo que sutis. Nossa moeda mantém sua estabilidade, apesar da perda de valor. É chegada a hora do otimismo entrar em campo, uma vez que o trabalho planejado, com crenças, queda de custeio e melhoria do sistema tributário não saiu ainda do papel.
 
Se o ecossistema não se movimentar, não será apenas o governo de hoje, ontem ou de amanhã que farão nossas empresas avançarem. É preciso que exista a nossa, perseverança, criatividade, análise, oportunidades e otimismo na mente do cidadão. Somente ele irá mover essa bastilha inexpugnável da desconfiança que abala nosso crescimento. Seja no campo, seja no mercado, a nossa torcida para dar certo tem que ser maior que preferências de times ou partidos.


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