Mercado do vazio: como o sexo, o consumo e a comida viram armadilhas nos negócios

As empresas devem, ao oferecerem seus produtos e serviços, ser responsáveis e éticas, promovendo uma abordagem mais holística para o bem-estar e o preenchimento do vazio existencial

Foto: Imagem: SVM

Em conversas com minha amiga Samira Santiago, professora de Marketing e consultora, sempre entramos em assuntos mais filosóficos, sobre como o lucro nasce das questões comportamentais e existenciais por exemplo. No último "Macarrão com marketing" (evento sobre estratégia de mercado que conta com participações de especialistas e professores), cujo assunto foi o fato da sociedade viver um vazio de propósitos e desafios, entendemos que o mercado dessa mazela mental é enorme. 

Num mundo cada vez mais conectado, onde tecnologias nos aproximam e distanciam simultaneamente, muitos indivíduos se encontram em uma busca incessante por algo que possa preencher um espaço interno, uma lacuna que parece persistir.

Esse vazio existencial, resultado da falta de propósito e sentido na vida, tem levado muitos a buscarem soluções para aplacar essa sensação de lacunas. É nesse contexto que as empresas encontram uma oportunidade de negócio, oferecendo produtos e serviços que prometem diminuir esse sentimento de desconexão e insatisfação.

As armadilhas do consumismo desenfreado

Dentre as formas mais comuns de tentar preencher esse vazio, algumas se destacam. O sexo, por exemplo, muitas vezes é utilizado como uma fuga temporária da angústia existencial.

O apelo da indústria do entretenimento, com suas promessas de prazer imediato e satisfação instantânea, cativa aqueles que buscam uma sensação de conexão e intimidade.

Essa indústria oferece uma ilusão de intimidade e satisfação sexual, mas deixa uma sensação de vazio ainda maior no final, aumentando a desconexão emocional e o distanciamento interpessoal. O site OnlyFans, só em 2022, obteve uma receita de 4,8 bilhões de reais segundo informa a própria página. 

A comida também desempenha um papel significativo nesse cenário. A alimentação pode ser usada como um paliativo emocional, uma forma de preencher o vazio interno com o prazer gustativo. Com isso, observamos o crescimento da indústria de alimentos processados e fast food, que oferecem uma sensação apenas momentânea de contentamento. Vale lembrar que os 5 maiores restaurantes do mundo não são necessariamente saudáveis. McDonald's, KFC, Burger King, Subway e Pizza Hut juntos devem ter gerado boa parte dos ataques cardíacos na terra à base de cheddar e gordura hidrogenada.

Outra forma de lidar com o vazio existencial é através de excentricidades e consumo extravagante. O consumo de bens materiais e experiências luxuosas é usado por muitos como uma maneira de preencher um vazio emocional, buscando uma sensação de status e reconhecimento social. No entanto, essas conquistas muitas vezes são fugazes, não oferecendo uma solução duradoura para o problema subjacente. Vale lembrar que o mundo que passa fome tem como o homem mais rico o dono do conglomerado de marcas luxuosas LVMH, Bernard Arnault. 

As drogas, os remédios e as bebidas também são utilizados como meios de escapismo. Eles podem, temporariamente, entorpecer a dor emocional e oferecer uma fuga da realidade, mas acabam agravando o vazio existencial no longo prazo, criando dependências e desequilíbrios que aprofundam ainda mais a sensação de falta de sentido.

Nesse contexto, as empresas encontram uma demanda a ser explorada. Elas oferecem uma variedade de produtos e serviços que prometem aliviar esse vazio existencial, mesmo que temporariamente. Desde produtos que prometem melhorar a autoestima e a aparência física até aplicativos e redes sociais que visam conectar as pessoas e preencher a necessidade de pertencimento.

No entanto, é importante refletir sobre essas soluções oferecidas pelas empresas para preencher o vazio existencial. Embora possam proporcionar um alívio temporário, essas saídas não abordam a raiz do problema.

O vazio existencial não pode ser preenchido apenas por meio do consumo ou de soluções externas. Esse preenchimento requer uma jornada interior de autoconhecimento, reflexão e busca por propósito.

É fundamental que as pessoas estejam cientes desse ciclo vicioso, no qual buscam desesperadamente preencher o vazio com experiências superficiais e produtos oferecidos pelo mercado. A conscientização sobre as armadilhas do consumismo desenfreado pode incentivar uma mudança de perspectiva, direcionando a atenção para o encontro consigo mesmo, o desenvolvimento pessoal e a busca por um propósito de vida mais autêntico e significativo.

O vazio se preenche com você

Encontrar sentido na vida é uma jornada individual e complexa, mas que pode trazer uma sensação duradoura de plenitude e satisfação. Em vez de buscar soluções externas, é importante cultivar relacionamentos saudáveis, desenvolver hobbies e interesses genuínos, buscar apoio em terapias e práticas de autoconhecimento e buscar um equilíbrio entre as necessidades físicas, emocionais e espirituais.

Isso posto, é essencial que as empresas, ao oferecerem seus produtos e serviços, sejam responsáveis e éticas, promovendo uma abordagem mais holística para o bem-estar e o preenchimento do vazio existencial.Em vez de apenas capitalizar sobre a angústia das pessoas, as organizações podem investir em iniciativas que verdadeiramente promovam o crescimento pessoal, a autenticidade e a busca por um propósito de vida significativo. 

Em última análise, é necessário que cada indivíduo reconheça que o preenchimento do vazio existencial não está nas soluções momentâneas oferecidas pelas empresas, mas, sim, na jornada interior de autoconhecimento, conexão humana e busca por um propósito mais profundo e significativo em suas vidas.

É fundamental que a sociedade como um todo reflita sobre essas questões, buscando um equilíbrio saudável entre o mundo material e o mundo interior a fim de superar o vazio existencial e alcançar uma vida mais plena e significativa. 

O fato é que não existe nada que nos preencha que não seja feito de nós mesmos. 

Quando preenchemos o vazio com outros objetos estranhos, estamos apenas adiando ou enganando nosso ser. Sem nos preenchermos não somos completos. Sem sermos completos não temos o que doar para o próximo. Se não transbordamos de nós mesmos, não podemos nos doar para uma vida em comunidade. Vale sempre lembrar que "quem não vive para servir não serve para viver", nem mesmo para si.