Gadgets, janelas e cultura: o mundo é dos nerds

Foto: Marketing/SVM

20 de julho de 1984. Estreava no cinema o filme A Vingança dos Nerds, uma sátira da vida universitária onde uma fraternidade de alunos fortões e líderes do time de futebol americano inicia uma jornada de bullying contra um grupo de alunos esquisitos, pois esses usavam roupas caretas, não tinham muitas habilidades sociais, mas eram os mais inteligentes e de maiores notas do campus.

Como plano de vingança, eles criam a Lambda Lambda Lambda e, unidos, conseguem se vingar de seus opressores e até conquistar umas moças para paquerar.

O filme de comédia oitentista supracitado monta um cenário social onde os pobres seres estudiosos, curiosos e desengonçados tiveram que vencer contra a opressão daqueles que no fundo sabiam que os cerebrais iriam dominar o mundo e os ridicularizavam apenas como um mecanismo de defesa.

Os anos passaram e os nerds foram assumindo seus postos por méritos puramente cognitivos, uma curiosidade inventiva que tem inclinado o mundo em suas evoluções tecnológicas. O que os diretores do filme não sabiam era que, alguns anos antes, dois nerds já tinham fundado as empresas que mudariam o modo de trabalhar e de socializar no mundo. 

Bill e Jobs

4 de abril de 1975. Um jovem nerd, que era obrigado pela mãe a recepcionar os convidados dos eventos sociais que ela comandava, devendo falar com as pessoas, criava a Microsoft. Nascia para o mundo Bill Gates, o primeiro grande nerd que mudaria a forma como escrevemos, apresentamos, tabulamos e gerimos nossos negócios, processos, produções no trabalho, universidades, escolas e todo o nosso cotidiano.

O homem que criou as janelas de um futuro acessível para todos com o seu Windows, Word, Excel, PowerPoint e muitos outros elementos desse pacote de ferramentas digitais sem as quais não conseguimos trabalhar atualmente.

1º de abril de 1976. É verdade. Foi nesse dia que o nerd que trabalhava na empresa de games Atari e seu grande amigo Steve criaram, em uma garagem, o primeiro computador pessoal pré-pronto do mundo. Nascia ali o Apple 1. E o mundo conheceria, com o passar das décadas, o homem que desenharia a forma como a sociedade do século 21 se comunicaria. Era o começo da jornada de Steve Jobs.

Da vingança ao estrelato

25 de maio de 2023. Estamos no século 21, e nerds não são seres excluídos, mas talvez os mais proeminentes seres da sociedade atual. Se buscarmos as cinco empresas tecnológicas mais ricas do mundo, iremos achar algo em comum entre elas: todas são comandadas por NERDs. Não são herdeiros, comandam empresas que são ricas há mais de um século e são negócios que nasceram e se sustentam por meio da eterna inovação.

Temos em ordem:

  1. A Amazon liderada por Jeff Bezos e com uma receita anual de 514 bilhões de dólares em 2022;
  2. A Apple liderada por Tim Cook e com uma receita anual de 387 bilhões de dólares, mas liderando em lucro líquido com um resultado módico de 95,5 bilhões de dólares. A título de comparação, o resultado é maior que o saldo da balança comercial do Brasil em 2022, que ficou no valor de 62,3 bilhões de dólares, segundo Governo Federal. Acho que deveríamos começar a procurar uns nerds para comandarem alguns setores nossos;
  3. A Alphabet liderada pelo indiano Sundar Pichai com um faturamento de 282,8 bilhões de dólares em 2022 e um lucrozinho de 60 bilhões (não ganha nem do Brasil :P);
  4. O Microsoft liderada pelo também indiano Satya Nadella que, na minha humilde opinião, é o executivo do ano pelos gigantescos resultados que a Microsoft tem obtido após sua ascensão. No ano de 2022, a Microsoft faturou 204,1bi de dólares e lucrou 67,4 bi. Nas mãos de Nadella, a empresa de Bill Gates avançou no mercado de nuvem com o seu Alure, além dos ganhos com o Office e crescimento de receitas com o Bing e LinkedIn. Vale lembrar que foi Satya Nadella que investiu alguns bilhões na Open Ai, empresa que bugou a mente do mundo com o seu ChatGPT;
  5. A Meta (Facebook para os íntimos), liderada pelo seu nerd de camisa cinza Mark Zuckerberg e com uma receita de 116,6 bilhões.

Juntos, os cinco rapazes estranhos para as meninas, mas vorazes ganhadores de dinheiro para o Wall Street e o Vale do Silício, geraram uma receita de 1,5 trilhão de dólares. Isso equivale ao PIB da Austrália, apenas a 14ª economia do mundo e um país simpático para se viver. Fonte: Forbes

O mercado não se resume aos CEOs

25 de maio de 1977. Estreava no mundo o filme Guerra nas Estrelas (Star Wars para os fãs mais canônicos), onde o vilão Darth Vader viria a se transformar no maior antagonista da história do cinema mundial. Por ter sido o produto nerd de maior bilheteria da história até então, a data daquela estreia foi definida como o Dia do Orgulho Nerd ou o Dia da Toalha. Dia da Toalha?

Bom, segundo o Guia do Mochileiro das Galáxias, uma espécie de bíblia do mundo nerd, a toalha é o elemento mais essencial para um viajante interestelar (não me pergunte os motivos, leia o livro se tiver curiosidade. Um verdadeiro nerd faria assim).

Os nerds estão em todos os lugares. Se você acha que coisa de nerd não é sua “vibe”, talvez esteja na hora de começar a coçar a cabeça. Essa turminha de óculos tem dominado a cena pop de muita coisa na cultura mundial.

E os nerds no Brasil?

Vamos começar com números brasileiros para não parecer que estamos falando de algo que não acontece nas terras tupiniquins. 

No setor de licenciamentos, as marcas nerds, que antes eram de nicho, agora são protagonistas. De Homem Aranha a Batman, de Star Trek a Vingadores, as marcas geraram um módico número de 20 bilhões de reais em 2021 no Brasil, segundo informa a Associação Brasileira de Licenciamentos (ABRAL). Somos mais de 20 milhões de leitores de revistas de quadrinhos no Brasil, segundo informa a Associação de Cartunistas do Brasil (ACB), um país que tem baixo teor de leitores no geral. 

Os nerds nacionais movimentaram 1,5 bilhão de dólares em games em nossas terras e têm perspectiva de crescer 5,3% no ano vigente segundo a PWC.

Ecossistema pop virou nerd

6 de julho de 1973. Um designer, um PHD em astrofísica, um engenheiro eletrônico e um cientista em biologia lançavam o primeiro single da banda que dominaria a cena musical do planeta. O grupo de nerds estreava com o nome QUEEN. Misturando rock com ópera, um mix de sons em busca de novas soluções, a banda é a 4ª maior em vendas na história da música no mundo. Não que a música seja um ecossistema nerd, mas já existia a normalização há muito tempo.

Quando falamos de cinema, o mundo nerd assume protagonismo. Das 10 maiores bilheterias da história, nada mais nada menos que 6 são nascidas de produtos da cultura nerd:

1.

Avatar

2009

2.923.7

2.

Vingadores: Ultimato

2019

2.799.4

3.

Avatar: O Caminho da Água

2022

2.319.9

4.

Titanic

1997

2.264.7

5.

Star Wars: Episódio VII - O Despertar da Força

2015

2.071.3

6.

Vingadores: Guerra Infinita

2018

2.052.4

7.

Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa

2021

1.921.8

8.

Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros

2015

1.671.5

9.

O Rei Leão

2019

1.663.1

10.

Os Vingadores

2012

1.520.5

E para fechar o domínio no mundo do entretenimento, vamos lembrar que, segundo dados da consultoria Accenture, a receita mundial do mercado da música em 2021 foi de US$ 110 bilhões; a do cinema foi de US$ 40 bilhões; da TV, US$ 122 bilhões.

Quando olhamos o mercado que nasceu do comportamento nerd, o mercado de games, o mesmo estudo mostra que a receita ultrapassa a soma dos outros 3 mercados em US$ 28 bilhões, chegando a um total de sensacionais 300 bilhões de dólares.

O mundo está pronto?

As janelas de Bill e os gadgets de Jobs trouxeram para dentro de nossas vidas uma nova relação do ser humano com o próximo e, ter tantas janelas em equipamentos que não saem de nossas mãos são perigos que não estávamos prontos para viver.

Abrir uma janela permite que o sol e a brisa possam entrar, mas uma janela também permite que a poeira, os bichos e a chuva possam nos tocar. Quando falamos de uma janela real, a vida nos treinou a apreciar o horizonte e a varrer, enxugar e fechar na hora que bem entendemos.

De posse de um iphone começamos o dia com 30 janelas de conversas, 20 notificações de tarefas solicitadas até mesmo por desconhecidos e centenas de curtidas de estranhos.

Nesse novo Windows da vida real, não sabemos ainda como varrer, enxugar e até mesmo fechar tantas janelas que inundam nosso cotidiano. Nós sofremos, pais sofrem para controlar as próprias janelas e a dos filhos.

Na real até mesmo os nerds sofrem, pois criaram um universo que não têm um controle ou preparo nosso para tal. Necessitamos de empatia, controle emocional e uma inteligência que consiga separar o real do virtual. O problema é que as janelas estão aí, os nerds também estão e estarão e não dá pra fugir dos raios de luzes de Led que iluminam nossos olhos por meios de gadgets inspirados pela obra de Jobs e novas janelas que vierem a surgir inspiradas em Bill.

Seja no mercado, na cultura, na inovação ou no comportamento humano menos invasivo, o jeitão da turma que antes sofria bullying em virtude dos seus óculos “fundo de garrafa” domina as janelas do mundo moderno.

A ascensão da turma que não curte ir à academia malhar nos obriga a, cada vez mais, aumentar a educação formal da sociedade e entender que ser diferente não é motivo para se excluir alguém, mas sim, para valorizarmos. É dessa forma que o mundo evolui e que, juntos, aprendemos todos os dias com as diferenças.