Barbie vs Oppenheimer: como o branding da boneca ofuscou a ideia da bomba atômica de Einstein

Foto: Marketing/ SVM

Faltou tinta rosa no mundo. Sim, o novo filme da aclamada diretora de cinema da nova geração, Greta Gerwig, conseguiu vencer a desconfiança sobre o que parecia ser uma obra de recado simples, mas, na verdade, promete uma reflexão profunda sobre a nossa sociedade. “Os conjuntos estavam sendo desenvolvidos durante um período em que ainda estávamos enfrentando os problemas da cadeia de suprimentos global, e o fornecimento de tintas foi, particularmente, afetado”, disse Lauren Proud, vice-presidente de marketing e experiência digital da empresa de tintas Rosco.

Ausência de tinta rosa no planeta é apenas um dos impactos que a "onda Barbie" vem causando na indústria do entretenimento nos últimos meses.

O rosa e a história

No reino das cores, o rosa desabrochou em uma mistura delicada de pureza do branco com a paixão do vermelho. Sua origem remonta aos tempos antigos, onde culturas como a grega e a romana associavam a cor à deusa do amor e da beleza, Afrodite ou Vênus.

Ao longo da história, a cor rosa passou por diferentes percepções e interpretações. Na Idade Média, era usada com grande apreço, sendo associada à inocência e juventude. Já na Era Vitoriana, suas conotações mudaram, tornando-se uma cor de luto, representando o amor perdido.

No século XX, o rosa adquiriu novos significados e se transformou em um símbolo de empoderamento feminino e igualdade de gênero. Movimentos como o feminismo abraçaram a cor, redefinindo-a como um ícone de força e resiliência.

Diversos artistas, autores e designers abraçaram a importância do rosa em suas obras ao longo do tempo. Do surrealismo de Salvador Dalí à visão modernista de Yves Saint Laurent, o rosa sempre foi uma fonte de inspiração. Porém, nenhum produto da indústria cultural captou tanto a cor para seu branding quanto a boneca Barbie da indústria Mattel.

Barbie: um símbolo, uma marca

Barbara Millicent Roberts nasceu em 1959 e demorou pouco para ser conhecida mundialmente como Barbie. Junto de seu eterno amor, Kenneth Sean Carson, conhecido pela humanidade apenas como Ken da Barbie, ela iluminou, empoderou, representou, destacou, polemizou, encantou e nunca saiu do salto. Parece que apenas no filme (opa! Um spoiler).

A boneca que deu o status e o poder de sua beleza à mulher, também foi alvo de críticas pela cobrança social de um corpo perfeito e praticamente impossível de se obter, teve muitas facetas e ilustra a indústria cultural com referências infinitas.

O fato é que a marca é algo muito mais forte que a própria boneca. Neste último século, ela se tornou um ícone cultural e um reflexo das mudanças nas perspectivas sobre gênero e identidade. 

Na filosofia, podemos olhar para a boneca Barbie como um objeto que simboliza a construção social da identidade de gênero. Como Simone de Beauvoir afirmou em "O Segundo Sexo", a identidade de gênero é moldada pelas normas e estereótipos culturalmente estabelecidos. A Barbie, com seu padrão de beleza e estereótipo feminino, reflete a influência dessas normas na formação da identidade feminina.

Em termos antropológicos, podemos entender a importância da Barbie como um artefato cultural que representa a visão dominante da beleza e do papel das mulheres na sociedade. Mary Douglas, em "Pureza e Perigo", argumentou que objetos culturais têm significados simbólicos que refletem as crenças e valores compartilhados por uma sociedade. A Barbie, com sua representação da feminilidade idealizada, tornou-se um símbolo poderoso desses valores culturais.

Na sociologia, a Barbie pode ser analisada como uma ferramenta para estudar a socialização de gênero e a reprodução de normas sociais. Pierre Bourdieu, em "A Dominação Masculina", destacou como a sociedade reproduz hierarquias de gênero e poder através da socialização das crianças. A Barbie, ao ser introduzida na vida de muitas meninas, pode reforçar essas normas e expectativas sociais associadas à feminilidade.

Assim, a boneca Barbie, com toda sua relevância cultural e simbolismo, desencadeou discussões profundas sobre gênero, identidade e sociedade ao longo do último século. Sua presença e impacto contínuo no mundo moderno se tornam um reflexo de como a cultura e a sociedade moldam nossa compreensão de nós mesmos e do mundo ao nosso redor.

E a bomba?

O aclamado diretor Christopher Nolan tinha certeza que sua nova obra cinematográfica sobre o criador da bomba atômica, o físico Robert Oppenheimer, iria gerar uma série de questões sobre como a arma de destruição mais poderosa já feita pelo homem impactaria a sociedade.

A missão de Nolan seria retratar o cenário da Segunda Guerra Mundial, apresentar o físico que dá título ao filme, explicar como a bomba atômica foi desenvolvida e como Albert Einstein abriu os olhos dos líderes norte-americanos sobre a possibilidade de a Alemanha nazista estar criando uma bomba atômica dentro do seu território. O famoso físico que criou a teoria da relatividade teve papel fundamental no início das discussões sobre a construção da bomba e morreu arrependido por dar o passo de abrir o tema com os líderes dos EUA em plena segunda grande guerra.

Bom, o diretor americano que ficou famoso por filmes como Batman - O Cavaleiros das Trevas, A Origem e Interestelar sabia que sua nova obra teria grande impacto, tomando o cuidado, inclusive, de reservar a maioria das salas de cinema IMAX dos Estados Unidos só para seu lançamento. Atores aclamados como Matt Damon, Emily Blunt, o superastro Robert Downey Jr. ao lado do protagonista Cillian Murphy, criaram uma visão de que o futuro vencedor do Oscar 2024 estava chegando.

O que Nolan, Damon, Downey, Einstein, Blunt e a bomba atômica não esperavam era que uma onda rosa feita por uma boneca de 64 anos fosse ofuscar a grande estreia, fazendo com que o filme cor de rosa se transformasse na maior pré-venda da história dos estúdios Warner Bros no Brasil.

O que fez o rosa deixar Einstein de lado?

Não é de hoje que a máxima do marketing se confirma a cada novo dia: “Não importa o produto. O que importa é a percepção”, Al Aries.

Quando olhamos o branding da marca Barbie, assistimos a uma aula de construção. Branding é como uma identidade que uma marca cria para si mesma. É como ela quer ser percebida e lembrada pelos clientes. Isso inclui tudo, desde o nome e o logotipo até o estilo, as cores, os valores e a mensagem que ela quer transmitir. Segundo David Aaker, um dos maiores estudiosos do tema no mundo, o branding eficaz envolve criar uma conexão emocional com os consumidores para que a marca se torne parte de sua identidade e estilo de vida.

A boneca da Mattel é associada a valores de moda, diversão, inovação e empoderamento. Ela não é apenas um brinquedo, mas uma fonte de inspiração para muitas meninas ao redor do mundo. A Mattel construiu uma imagem consistente e forte para a Barbie ao longo dos anos, investindo em campanhas de marketing, parcerias estratégicas e uma ampla gama de produtos e experiências relacionados à marca.

Assim, a culpada pela falta da tinta cor de rosa no mundo acaba sendo um exemplo grandioso do poder do branding, pois criou uma personalidade própria que ressoa com o público-alvo de tal forma que conquistou uma base de fãs leais, mantendo-se relevante ao longo das décadas.

Para retratar o cliente, Aaker sugere que as marcas devam ser flexíveis e adaptáveis em suas manifestações. É nesse ponto que Barbara Millicent Roberts dá aula. Passando pela Barbie Festa, indo para a Barbie Arquiteta, tirando a CNH com a Barbie Motorista e, se duvidar, chegando em casa com a Barbie Lavadeira, o branding dela pinta a vida da sociedade de rosa, retratando cenas e mostrando rumos para essa mulher idealizada que ultrapassou a esfera do elemento industrial de plástico para humanos.  

Somente um tolo que inventa uma bomba que mata meio mundo iria deixar de lado a ideia de que lançar seu super filme no dia da boneca seria um péssimo negócio.

A enxurrada de fan services dos apaixonados pela boneca enxurraram as redes em referência ao filme. A boneca que apenas em 2021 gerou uma receita para seu fabricante de US$ 1,7bilhões. Restou para o time de Nolan, que produziu um super filme e não tem culpa nenhuma com a história de inventarem uma bomba, surfar na onda rosa e aproveitar para atrair público usando uma estratégia de co-branding ao espalhar o conceito Barbieheimer. 

No co-branding o marketing une duas marcas para criar um produto ou serviço conjunto, aproveitando a reputação e o reconhecimento de ambas para alcançar um público mais amplo e fortalecer sua imagem no mercado.

No fim, até acho que o filme da bomba atômica terá uma ótima bilheteria, mas quando decidiram, ainda no fim do ano de 2022, pelo lançamento no dia 20 de julho, eles já sabiam que seria no mesmo dia de Barbie. Fica nítido que sem bater de frente o resultado seria maior do que o que irão obter. 

O que realmente vai acontecer? As próximas semanas irão nos contar. 

E nós? Nós devemos sempre entender que uma marca poderosa sempre vai ter impacto no mercado, do mesmo jeito que hoje o mundo sabe que Einstein vacilou com essa ideia de bomba atômica.