O turismo é tratado como uma das joias da coroa no planejamento no Nordeste. Com fluxos internos e externos, as viagens de lazer se impuseram, década a década, como vetor de dinamização econômica em cidades, rotas e circuitos turísticos. Em casos específicos, vê-se territórios profundamente dependentes dessa atividade. Não à toa, muitos lugares turísticos na nossa região, durante os momentos mais severos da pandemia, estiveram alijados de boa parte dos recursos privados a promover suas finanças locais.
A racionalidade econômica é uma das formas de discernir o turismo, porém há estudos científicos, suficientemente fundamentados, a explorar outros assuntos concernentes às viagens de lazer e tudo o mais que se desdobra para a sua realização: criação de infraestruturas específicas, presença de companhias nacionais e internacionais de hospedagem, poluição e impactos socioambientais, uso dos recursos naturais e proteção de comunidades residentes, tradicionais ou não.
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Lançado em 2021, o livro "Espacialidades Turísticas" sofistica o debate dos temas listados. Organizado por este que vos escreve, em parceria com o professor Eustógio Dantas, o volume reúne dez capítulos da mais atual elaboração técnica-científica gestada por pesquisadores do Departamento de Geografia da UFC e parceiros estrangeiros. Com o subtítulo, do regional ao global, o escrito lista conclusões que vão além do lugar comum, das críticas e otimismos exagerados. Além do mais, há interessantes interpretações internacionais acerca do comportamento da atividade em terras brasileiras.
Os autores são assertivos ao analisar o significado da atividade turística no ordenamento dos territórios receptores dos fluxos de visitantes. Sem maiores spoilers, revelo dadas conclusões.
Encabeçado por Marília de Freitas Silva, os pesquisadores apontam relações entre desenvolvimento, vulnerabilidade e turismo em Jericoacoara e Pipa (RN). Para os especialistas, a relação turismo e desenvolvimento é incerta, sobretudo porque a alta vulnerabilidade e o baixo nível de desenvolvimento encontrado no nível macrossocial (Região Nordeste) se reflete em escala microssocial.
Apesar do crescimento econômico ocorrido nas comunidades, dizem os autores, esse desenvolvimento não se refletiu em condições objetivas de melhoria de vida entre a maioria das famílias dos lugares turísticos analisados, posto encontrarem-se na categoria dos socialmente vulneráveis.
Se por um lado, canta-se a quatro ventos o sucesso da atividade turística pelos números de visitantes a ocupar os hotéis, por outro, os argumentos críticos nos fazem refletir sobre a capacidade da atividade gerar efeitos sociais positivos. O texto em análise ainda revela limites ao desenvolvimento das comunidades receptoras de turistas, entre eles, o baixo nível de escolaridade, a precariedade nas relações de trabalho e as reduzidas médias de renda por família.
Além das condições de vulnerabilidade social nos lugares turísticos, o livro permite navegar por outras tantas dimensões investigativas. O leitor vai se deparar ainda com estudos sobre o papel das redes sociais na divulgação das imagens dos lugares, principalmente, os espaços litorâneos.
O geógrafo Tiago Castro demonstra supremacia, nas redes sociais, das fotografias das zonas costeiras, confirmando a massificação turística comum ao modelo sol e praia. Por outro lado, Vicent Andreu, estudioso francês, discute os entraves à proteção ambiental e efetivação da atividade turística em zonas de alto valor natural, como o próprio litoral.
Há outros sete capítulos dos quais aqui não falarei para afinar a curiosidade e o interesse por esta leitura. Ela não se restringe aos especialistas.Os textos podem ser lidos por todos os interessados em conhecer melhor a região Nordeste do Brasil e, em especial, os espaços turísticos. Como na ciência nenhuma afirmação científica é definitiva, um livro como este sempre será uma provocação ao debate.
De minha parte, o que posso concluir? Digo; o uso do território pela atividade turística é um grande negócio e capta muitos recursos públicos. Dito isso, penso que, sobretudo, as gestões municipais, onde a atividade gera os impactos diretos, devem ficar mais atentas aos problemas e movimentos destacados pelos pesquisadores e exigir maiores contrapartidas dos empreendedores e turistas.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.