Popularmente, a palavra economia remete às ações como regrar, guardar, acumular e evitar o desperdício; enfim, cuidar dos recursos (rendas e salários) para garantir sobrevivência presente e futura. Da mesma forma, lembramos indiretamente de economia quando negociamos preços e vendemos ou compramos qualquer objeto ou serviço.
Em termos científicos, o geógrafo Milton Santos, ainda na década de 1970, defendeu uma interessante ideia. Para ele, o funcionamento da economia não segue estritamente as regras estabelecidas pelos governos ou pelas grandes empresas capitalistas.
Sobretudo em países pobres, há conjunto de artimanhas sociais para produzir, vender e comprar. São nada mais, nada menos que táticas de sobrevivência.
No fundo, basta ouvir a conversa numa mesa de bar ou mesmo lembrar daquela história contada por seu avô e lembrar de formas econômicas variadas e populares. Senão, vejamos!
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Os manuais de introdução à economia apontam o escambo como das mais rudimentares e ancestrais práticas econômicas. Equivoca-se que a prática está fora de moda, muito pelo contrário, basta visitar a feira da Parangaba ou da Messejana e veremos a dinâmica das trocas. Seja no campo ou na cidade, as feiras livres reservam um setor ao “troca-troca”. O indivíduo chega com uma bicicleta e sai com o vaso sanitário. Tudo a partir de troca direta, objeto por objeto. E mais interessante é o debate: ao lado, ficam os curiosos a discutir quem perdeu e quem ganhou na negociação.
E as estórias da bodega? Pelo menos no Ceará, todos lembram do velho e bom “fiado” do seu Zé, ou seja, a continha anotada no caderninho dos devedores do comerciante. Nestes momentos de inflação, o que faz o astuto vendedor: ele nunca anota o preço da mercadoria comprada, mas sim a quantidade. No acerto de contas, será calculado o valor da dívida com base nos preços do dia. Um mercado flutuante, mas sempre lucrativo para o vendedor. O susto fica para o cliente quando vai pagar a conta no final do mês.
Uma outra prática bem conhecida pode ser resumida pela expressão “pagar com o que se apura”. Tomemos o caso do pequeno açougueiro do seu bairro. Toda semana necessita abater animais para a venda da carne. Sem capital de giro (ou dinheiro sobrando), ele negocia com o criador dos animais, faz a compra e só pagará pelos animais após o abate e a venda da carne para os seus clientes. Como muitos clientes também são capazes de dar calote, há grande probabilidade do produtor não receber em curto prazo o dinheiro relativo à venda dos seus frangos ou do seu bovino. Dessas dívidas, boa parte torna-se ativos podres: existem, todavia, nunca são recebidas.
Esses, e muitos outros causos, certificam relações mais amplas daqueles registradas nas colunas de economia. Evidenciam, ao seu modo, a complementaridade entre práticas modernas e práticas ancestrais. Afinal, a economia é uma importante dimensão da vida. Não está nem acima nem abaixo das outras. Muito há de pragmatismo, racionalidade e individualismo, porém as práticas de negociação e sobrevivência são marcadas por princípios ancestrais e, sempre, criativos. Economia é sociedade, sociedade é cultura, então, economia é cultura
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.