Um grande jornalista

Carlos Castello Branco foi a voz de um País amordaçado. Em suas palavras estavam embutidas suas ideias democráticas, de defesa da liberdade, das instituições e da justiça social

Adolescente, eu via meu pai todos os dias pegar o jornal, dobrar uma aba da primeira página, fazer um friso, e ali estava numa orelha a Coluna do Castello. O dia só começava depois dessa leitura. Todo brasileiro bem informado fazia essa cerimônia, todos os dias, em todo recanto do país. A coluna no Jornal do Brasil era reproduzida em mais de trinta jornais. Dizem que até os ditadores militares a liam logo pela manhã. Por mais de meio século o piauiense Carlos Castello Branco foi o grande analista do Brasil. Talvez nenhum outro jornalista tenha tido a mesma influência no pensamento político do brasileiro como o Castellinho, assim os amigos o chamavam.

Enquanto eu tomava café da manhã, meu pai lia e comentava as palavras de Castellinho. Ali estava tudo o que era importante na política. As colunas do Castello não opinavam, mas havia um comentário subjacente. Ele falava também nas entrelinhas, como se fosse uma criptografia que os leitores entendiam. O diálogo era direto, visceral. Seus textos, perfeitos. Uma capacidade de síntese admirável. Tinha as melhores fontes de informação. Castellinho dizia oferecer a sua coluna como um material jornalístico para os cientistas políticos examinarem, aceitarem ou não, e corrigirem. Dizia ser apenas um repórter que recolhia e oferecia subsídios.

Mas era bem mais que isso, seus comentários guiavam os leitores na compreensão do que se passava no país. E em suas palavras estavam embutidas suas ideias democráticas, de defesa da liberdade, das instituições e da justiça social. Ele foi a voz de um País amordaçado. Acompanhou o Brasil “na agonia de duas ditaduras e na esperança de duas redemocratizações; no suicídio de um presidente da República (Getúlio Vargas), na renúncia de outro (Jânio Quadros), na deposição de mais um (João Goulart) pelas armas e no impeachment de outro (Fernando Collor) pelas armações”, disse o jornalista Zózimo Tavares. Quando Castellinho escrevia algo que ninguém podia falar num jornal, meu pai dizia: “Ele vai ser preso”. E foi.

Depois do café bem cedinho eu ia a pé para a escola, o Rosário, cursava o ginasial, e sentava ao lado de Pedro e Luciana. Pedrinho tinha perdido um ano, e estava na mesma sala da irmã mais nova. Eram filhos do Castellinho. O filho mais velho, Rodrigo, que, diziam, ia ser um dia o presidente do Brasil, morreu num inexplicável acidente de carro. Todas as cartas de ameaça e ódio que seu pai recebia e Rodrigo guardava desapareceram de sua casa.

Décadas depois, durante uma viagem a Cuba para uma exposição de livros de autores brasileiros, tive o prazer de conhecer Castellinho. Foi para mim uma das amizades mais proveitosas e divertidas, que se passava dentro de um grupo de inteligência abrasiva, bom humor, ironia, graça, afeto. Grande jornalista! Sua arte deixou descendentes, temos hoje extraordinários analistas, como Miriam Leitão. Em tempos difíceis, de muitas notícias manipuladas ou mesmo falsas, aumenta a confiança nas matérias impressas em jornais. E a pandemia veio mostrar como a informação é fundamental. Bem disse o historiador Noah Harari: “uma população motivada e bem informada é mais poderosa e eficaz do que uma população ignorante e policiada.”