Escolasticídio: refugiados
Conflitos armados costumam chacoalhar o tabuleiro geopolítico, aquecer os noticiários internacionais e render manchetes preocupantes. Mas há um efeito colateral menos midiático e muito mais persistente que raramente ganha espaço nos debates: o impacto brutal na educação. Em tempos em que potências como Estados Unidos, Irã e Israel trocam acusações e mísseis, cabe perguntar: quando a guerra vira rotina, onde fica a escola?
Segundo a UNESCO, no mínimo 28 milhões de crianças já foram privadas do acesso à educação por causa de guerras. Muitas dessas crianças não só perdem a sala de aula, mas enfrentam violências extremas. Na Faixa de Gaza, por exemplo, 80% das escolas foram destruídas e mais de 600 mil estudantes estão sem acesso à educação formal. O termo usado por especialistas da ONU é “escolasticídio”, nome amaneirado, mas adequado à tragédia: a destruição sistemática da infraestrutura educacional.
Diante desse cenário de escombros e desalento, não é surpresa que fluxos migratórios se intensifiquem. Famílias inteiras fogem de bombas e perseguições em busca de alguma chance de recomeço. Tornam-se refugiadas, e com elas chega uma demanda por acesso à educação que exige muito mais do que boa vontade. Afinal, adaptar crianças e jovens a sistemas educacionais diferentes, em línguas que não dominam, com costumes que não conhecem e traumas que ninguém quer ouvir, não é tarefa simples.
E o Brasil? Nos últimos anos, o país até tentou “ajudar”, recebendo 454.165 pedidos de refúgio entre 2015 e 2024, vindos de 175 nacionalidades. Venezuelanos, haitianos, cubanos e angolanos lideram esse fluxo. Mas vamos ser francos: se nosso sistema educacional já falha com os próprios brasileiros, vide escolas sem condições básicas, professores sobrecarregados e evasão escolar vertiginosa, o que dizer então do despreparo para acolher quem chega com a etiqueta arbitrária de “refugiado”? É preciso reconhecer que a integração de refugiados, além do debate, exige algo que a educação brasileira há tempos perdeu: prioridade política. Sem discursos vazios, mas com ações práticas. Preservar a educação é garantir a possibilidade de reconstrução.
Davi Marreiro é consultor pedagógico