Tudo autoral: poetas apresentam perspectivas sobre o mercado independente de publicação no Ceará

Panorama é salientado na esteira da vitória de Mailson Furtado no Prêmio Jabuti

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@diariodonordeste.com.br

Dos fanzines aos livros, a passagem foi natural. As técnicas, então - de imprimir, fazer cópias e até encadernar, no caso das obras de maior volume - seguiram semelhante movimento. Na estrada artística de Nina Rizzi, esse fazer artesanal, assumindo para si as rédeas daquilo que produz, se sobressai não apenas como instrumento de total controle sobre os exemplares que levam sua assinatura, mas igualmente como modo de confronto.

"É também uma postura política, que recusa o sufocamento dos grandes conglomerados editoriais em relação às pequenas editoras e aos autores totalmente independentes, que custeiam suas produções", explica a poeta, natural de São Paulo e residente em Fortaleza.

Legenda: Nina Rizzi com os zines e livros publicados de forma autoral ou por editoras independentes. Em 2019, a poeta deve publicar sua primeira narrativa prosopoética
Foto: Foto: JL Rosa

Conhecer a opinião e travessia profissional da artista é oportuno neste momento em que os olhares literários do Brasil estão voltados para Mailson Furtado, cearense vencedor do Prêmio Jabuti 2018 nas categorias "Melhor Livro de Poesia" e "Livro do Ano", com a obra "à cidade". O escritor bancou todo o processo de feitura, publicação e divulgação do premiado livro, desenhando a capa e diagramando todas as páginas, por exemplo, práticas que levam a uma reflexão sobre como se mantém o mercado literário independente no Ceará e quais as motivações dos poetas em publicar sob esse formato.

Para Nina - autora de livros como "Tambores pra n'zinga" (2012), "A duração do deserto" (2014) e "Quando vieres ver um banzo cor de fogo" (2017), publicados por editoras independentes - há duas faces a se considerar quando o caminho escolhido para produção de livros é por vias próprias. "A maior desvantagem é que você deixa de ter uma vitrine muito maior para acesso do público; por outro lado, não há o risco de ter sua obra recortada segundo uma 'linha editorial'".

"A desvantagem é deixar de ter uma vitrine maior para o público; por outro lado, não há o risco de seguir uma linha editorial" - Nina Rizzi, poeta

Já para o poeta, produtor cultural, editor e contador de histórias Talles Azigon, escoar literatura de forma independente ultrapassa a dicotomia "possuir inteiro domínio sobre a obra" versus "não-inserção no mercado editorial das grandes casas do livro". Segundo ele, "essas são duas dimensões possíveis, mas não existem apenas essas. A poesia é ampla, cheia de nuances e possibilidades. Infelizmente, se enquadrar em uma dessas prospecções quase nunca é fator de escolha e, sim, imposição social, econômica e, algumas vezes, política".

Não à toa, no caso do autor - também um dos fundadores da Editora Substânsia, no mercado desde 2014 - o interesse em capitanear projetos autorais segue uma lógica de respeito ao espírito libertário da arte. "Eu não busco as grandes editoras ou um mercado maior por questão de convicção. Não simpatizo com as ideias de direito autoral. Para mim, toda arte deve ser livre e acessível ao maior número de pessoas possíveis, por isso que tenho traçado esse percurso de manejar minha obra totalmente independente, no sonho de que ela chegue aos espaços que me interessam com o menor número de barreiras", destaca.

"Eu não busco as grandes editoras ou um mercado maior por questão de convicção. Não simpatizo com as ideias de direito autoral" - Talles Azigon, poeta, produtor cultural e editor

Lar poético

Veterano no segmento de produção e divulgação de poesia, Ítalo Rovere reside em Maranguape, Região Metropolitana de Fortaleza e também lugar-sede da Vila de Poetas. O espaço, fundado por ele e outros artistas, tem como objetivo dialogar com o mundo por meio de atividades agroecológicas e solidárias, usufruindo da aprendizagem, vivência no coletivo e, claro, de manifestações poéticas. Um ambiente, enfim, de comunhão com o ideal democrático do gênero perseguido pelo escritor e produtor.

Tendo publicado o primeiro livro, "África - poemas de viagem", aos 30 anos, após circular pelo Brasil e o mundo, e feito à mão a obra "Tato amarelo" - que demorou mais de dez anos para ter o acabamento cuidadoso que hoje possui -, ele fala que optou pela seara independente em parte por um desencantamento em relação a editoras, de um modo geral.

Legenda: Ítalo Rovere, cujas obras estampam a capa do caderno Verso de hoje (17), exibindo detalhes do livro "Tato amarelo"
Foto: Foto: Fabiane de Paula

"Posso dizer que a minha ficha caiu", confessa. "Mesmo assim, sinto que a produção só cresce, no Ceará e no Brasil. Tem muita coisa boa. Estimulo jovens a se expressar e é isso que procuro fazer comigo, sem nenhuma cobrança. Acredito que todo poeta sonha ser publicado por uma grande editora/distribuidora, mas nem por isso deixa de publicar e acreditar no sonho", afirma.

"Sou um poeta viajante em busca de humanidade e, por onde tenho ido, faço meus livros. Isso tem me aberto muitas portas" - Ítalo Rovere, poeta e produtor cultural

Por sinal, Ítalo reveste-se de fantasia para compor cada livro-objeto que assina. "Tato amarelo", por exemplo, pode ser encomendado com o autor e adquirido em diferentes formatos - do mais extravagante ao mais diminuto - cabendo, inclusive, na palma da mão.

"Sou um poeta viajante em busca de humanidade e, por onde tenho ido, faço meus livros. Isso tem me aberto muitas portas. Quero um dia reescrever todas essas estórias e publicar, mesmo que de forma independente. Quero poder criar de forma livre e sem pressão", autodefine-se Ítalo.

Transgressão

Um dos nomes em ascendência em Fortaleza quando o assunto é poesia independente, Tetê Macambira, por sua vez, confere um alcance da verve marginal do gênero. Segundo a autora, durante a Revolução Russa de 1917, jovens de mãos dadas nas praças ouviam poesia e canções de protestos musicadas em cima de versos pré-concebidos. Já na Bahia de Castro Alves (1847-1871), o autor subia em bancos nas praças gritando suas criações bombásticas e abolicionistas.

"A poesia sempre foi transgressora e incomoda porque é feita para ser declamada, gritada, musicada, além de ser extremamente portátil, facilmente levada de um canto a outro, facilmente decorada, repassada e compreendida", dimensiona. Na visão dela - que mantém os blogs autorais "Parte de mim" e "Sapiossexual", além de ter lançado dois zines em 2017 e de estar organizando o livro "é o cúmulo!", tudo no ramo da poesia - o fluxo de produção independente no Estado merece relevo.

Legenda: "Absinto" e "Lassidão", zines lançados no ano passado por Tetê Macambira, traduzem a pegada criativa da escritora independente, que atualmente está organizando uma coletânea de narrativas curtas
Foto: Foto: José Leomar

"Esse tipo de atividade requer muito empenho e entrega do escritor, sinal de que ele anseia por ser lido, de que sua lavra está madura para ser consumida. O movimento vem crescendo e andando em paralelo com as plataformas digitais (Wattpad, Kindle?). E cada vez mais se percebe poetas divulgando seu trabalho, quer seja nas redes sociais, quer seja emparelhando com saraus ou em rodas de poesia. Essa, talvez, seja a tônica mais visceral porque plena de organicidade (mesmo virtualmente): o poeta com o povo", considera.

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