Tia Neném ensina técnicas manuais no presídio feminino há mais de duas décadas

Aos 78 anos, a "professora" voluntária repassa seus conhecimentos em crochê, macramê e costura

Escrito por Roberta Souza , roberta.souza@diariodonordeste.com.br

De tanto a chamarem "Tia Neném", ela sequer recorda o próprio nome. "É Maria Eunice... Deixa eu ver se eu me lembro. Maria Eunice Bezerra Barbosa", completa depois de fazer um certo esforço com a memória de 78 anos. A fita métrica enrolada no pescoço há pelo menos duas décadas, tempo que vem se dedicando voluntariamente nos presídios cearenses, é a principal referência do trabalho que executa hoje junto às detentas do Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa.

"Aqui tem o crochê, tem o macramê, tudo é manual, não tem nada de máquina", relata sobre as técnicas de costura que ensina às 14 mulheres, algumas jovens, outras nem tanto. "Tudo elas gostam. E as que não gostam têm toda liberdade de dizer, a gente parte pra outra", afirma, com a convicção de que cada vaga da oficina que coordena é única.

Mulheres em presídio confeccionam roupas em troca de salário e remição de pena O Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa proporciona oportunidades de ressignificação das histórias das detentas

Por ela já passaram quase todas que hoje atuam como funcionárias da Colmeia no presídio. "Eu chamo elas de minhas ex", brinca, enquanto analisa o que as atuais estão fazendo. Para Tia Neném, o trabalho que desenvolve é semelhante a plantar sementes. "Aqui é uma agricultura. Elas aprendem o pouco que eu sei, saem capacitadas de fazerem lá fora. Sai até com a carteirinha da Ceart. Podem chegar lá fora e ir fazer. Pra mim é a principal satisfação", argumenta.

Logo que começou, voluntária do manicômio judicial a convite do irmão diretor, ajudava os "meninos ociosos" a ocupar a mente. Rasgar papel já era uma terapia. Com o tempo, foi convidada a atuar em outros setores, e ali se encontrou. "Aliás, não me imagino fazendo outra coisa, aqui já chega. Gosto muito daqui. Podia chegar e dizer que ia me pagar tanto pra eu fazer esse mesmo trabalho em outro canto. Mas eu tô muito satisfeita com o que eu ganho, queria não, não quero", declara.

A relação que tem com as meninas é parecida com a que mãe tem com filha. "Os dedos da mão não são iguais? Somos todos iguais", compara. O amor é tão grande que, mesmo com o marido internado, não deixa a atividade de lado. "Passo à noite no hospital e, de manhã, minhas filhas ficam com ele", conta, sem abdicar da rotina que a faz sair às 6h da manhã e retornar para o lar às 19h da noite, todos os dias. O desejo de ver as sementes brotarem é maior que tudo.

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