Série "Irmão do Jorel" passa a marcar presença no mercado de streaming, alcançando novos públicos

Estabelecida no canal Cartoon Network, atração se estabelece como uma das animações mais elogiadas da recente safra brasileira

Escrito por Antônio Laudenir , laudenir.oliveira@diariodonordeste.com.br
Legenda: Animação produzida no Brasil, "Irmão do Jorel" conta com a expressiva força de situar costumes passados em um debate contemporâneo

Primeira animação do Cartoon Network (CN) produzida na América Latina, "Irmão do Jorel" segue na terceira temporada e uma nova safra de episódios inéditos está na mira dos criadores. A história gira em torno do cotidiano de uma família de classe média, em especial, nas desventuras do filho caçula desta.

Trata-se de um moleque carinhoso e ingênuo, repleto de energia, que vive à sombra do irmão do meio, o Jorel. Quem teve irmãos ou irmãs mais velhos sabe bem o que é ser conhecido como o "irmão do fulano" na vizinhança.

Em dezembro de 2018, o desenho de Juliano Enrico saltou das telas de TV para o universo de streaming via Netflix. Passou a ser exibido para um público mais amplo e de maior idade.

Apinhado de referências ao universo pop, passeia por desenhos clássicos, sem deixar a dever em nada na questão técnica e estética para produções contemporâneas como "Hora de Aventura" e "Flapjack". Ao todo, cada temporada conta com 26 episódios.

O núcleo familiar, muito próximo da realidade da classe média brasileira, conta com duas avós (Gigi e Juju), o pai e a mãe (Sr. Edson e Dona Danuza) e a prole formada por Nico, Jorel e o "irmão" de quem não sabemos o nome verdadeiro. Tem também a esperta Lara, melhor amiga do protagonista.

Legenda: A série um trabalho universal, com capacidade de adentrar em diferentes classes sociais. Encabeça um momento feliz para a animação brasileira

O universo é completado com criaturas excêntricas. Tem a turma da Escola Pônei Encantado, assim como o Rambozo ( policial militar palhaço), Roberto Perdigotto (ator e gente da mídia) e os membros da banda "Cuecas em Chamas", Carlos Felino e Reginaldo.

O nonsense e a ludicidade são extrapolados com as presenças dos patos falantes Fabrício, Danúbio e Gesonel (esse último é o mestre dos disfarces) e do cão Tosh.

Basicamente, estão elencados aqui os personagens responsáveis por ditar os rumos da narrativa. Outra divertida peça é o mega-ator de filmes de ação Steve Magal.

Identidade

A trama segue as descobertas e traquinagens do pequeno de oito anos. Ele precisa superar os obstáculos que lhe chegam. As relações de poder estão entranhadas em boa parte das histórias nas quais ele é inserido. A escola proíbe qualquer quebra de regras. Os mais velhos são populares e podem dormir até mais tarde. Dramas tão simples da infância ganham contornos dramáticos para o menino.

Na primeira temporada, percebe-se uma não conexão entre os capítulos. Mais à frente, vale ficar ligado em cada situação ou detalhe dos cenários porque eles sempre retornam. Em certa medida, o Irmão do Jorel demonstra evolução na forma de encarar o mundo.

No episódio "Fúria e Poder Sobre Rodas", por exemplo, ele fica enciumado quando Lara vira integrante do time de patinadoras femininas "Trituradoras de Sonhos Mortíferos".

Sem tempo a perder, ele se fantasia de menina para entrar no time. Mas, antes, teve de passar por um processo de descontrução com a amiga. Um diálogo entre os dois foi decisivo.

Ambos andavam de bicicleta quando o Irmão do Jorel pediu para ir para casa. Lara, assim, soltou um "deixa de ser frangote" na lata. Intimidado, o amigo pergunta se ela o está chamando de "mulherzinha".

"Claro que não, Irmão do Jorel. Você chama alguém de mulherzinha quando a pessoa é incrível". Cheio de confiança, ele retruca: "mulherzinha é quem faz coisa de menina, Lara".

Sem entregar os pontos, ela questiona o que seria "coisa de menina". Sem argumentos, o irmão menos famoso ainda tenta argumentar que seria "brincar com o pônei rosa miniatura". Lara não deixou barato e disse que preferia futebol e soltou: "você não gosta de futebol, então você é menina?".

A discussão pesaria na temporada depois. Na história de "Através do Guarda-Roupa", Irmão do Jorel está preso no armário e precisa dialogar com um grupo de roupas velhas (sim, a psicodelia aqui chega à estratosfera) e se salva ao argumentar com uma blusa que rosa é uma cor que alegra os lugares. "É muito mais fashion que branco", convence a peça.

Referências

O tempo em que a narrativa da animação acontece é uma mistura de diferentes situações. Por conta da idade dos roteiristas, fica mais correto afirmar que se passa nos anos 1980. As músicas hard rock e pop (compostas para o desenho), a sombra da Ditatura Militar (Sr. Edson é jornalista e teve uma peça de teatro censurada no passado) ou a inclusão de produtos culturais, como filmes de ação estilo Chuck Norris, denunciam esse expediente.

Mesmo assim, a presença de tecnologia atual, como celulares e internet, é comum entre as ações.

A imagem do policial Rambozo repercute a música "Rambozo the Clown", presente no disco "Bedtime for Democracy" (1986) do Dead Kennedys. No território visual, as escolhas passeiam por arte clássica, quadrinhos Mad, mangás e até a estética gonzo do artista plástico Ralph Steadman.

Legenda: Ficar atento aos mínimos detalhes reserva boas surpresas. Cada elemento integra a trama de maneira natural e tem razão para ser adicionada

O trabalho de Juliano Enrico integra uma geração de talentosos realizadores advindos do Espírito Santo. Trata-se de um braço da "Quase", iniciativa surgida como revista no início dos anos 2000.

Para quem se diverte com o recente programa "Choque de Cultura", paródia em que motoristas carrancudos comentam sobre cinema, vale lembrar que todos os integrantes participam do "Irmão do Jorel".

Daniel Furlan, em especial, é responsável também pelos roteiros e dublagens. A canção de abertura tem parceria de Fábio Mozine, persona central da Läjä Records.

Futuro

"Irmão do Jorel" encabeça um momento feliz para animação brasileira. Conta com a expressiva força de situar costumes passados em um debate contemporâneo.

Gênero, educação escolar, relação familiar e a premissa de buscar apoio para superar as dificuldades são somente algumas das sutis contribuições construídas na série.

O desenho fala sobre evoluir, as quedas da vida e de como é importante ser feliz sem ser um sacana com os outros. Até sabermos a verdadeira identidade do menino de botas amarelas, muitos acontecimentos e reviravoltas prometem acontecer no desenho.

A quarta temporada foi confirmada e um spin-off sobre a história paralela de Lara (uma das criaturas mais massas da série) deve chegar em março de 2019.

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