São Paulo Fashion Week mostra, nas entrelinhas, sustentabilidade e tecnologia

Coleções encerradas nesta sexta-feira, mostram, em tecidos, detalhes e processos de produção para além do que o caminhar na passarela pode revelar

Escrito por Gabriela Dourado , gabriela.dourado@diariodonordeste.com.br

Hora de escolher a roupa para se vestir. Talvez você observe a cor, se deseja usar estampa, quem sabe opte por vestido ou calça, pode ser que prefira investir no pretinho básico ou ainda usar um tecido mais leve para aguentar o calor que está lá fora. A roupa carrega vários detalhes que a faz ser selecionada para habitar seu guarda-roupa e seu corpo. Contudo, para além das cores, formas e desenhos, há mais entre as tramas de cada peça do que se imagina. E são essas informações e subjetividades que permearam as passarelas da 46ª edição da SPFW, encerrada na sexta-feira.

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A casa era nova (o evento se mudou, após 20 anos no Ibirapuera, para a Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo), mas a dinâmica continua a mesma: o vaivém das modelos na passarela exibiam as apostas de marcas brasileiras para as vitrines. Nesse caminhar, nem sempre é possível enxergar as "entrelinhas". E são nelas mesmo, as linhas, que marcas como Osklen, Patricia Vieira, PatBo, Ronaldo Fraga e João Pimenta revelaram preocupações com temas como sustentabilidade, tecnologia e política.

Oceanos

É o caso da Osklen, já conhecida por chamar a atenção para causas ambientais em campanhas e coleções. As peças da marca carioca trouxeram consigo manifesto em prol dos oceanos. Entre o branco e o azul óbvios, mas não entediantes do universo náutico, a marca desfilou peças produzidas em tyvek (não-tecido tecnológico), lona eco e até palha de piaçava.

Legenda: Osklen
Foto: Agência Fotosite

Em parceria com o IPTI (Instituto de Pesquisa, Tecnologia e Inovação) e a Casa do Cacete, projeto composto por quatro jovens artistas empreendedores de Santa Luzia de Itanhy, em Sergipe - um dos municípios de menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, a Osklen apresentou uma série de prints como a nomeada Aratu Blue, uma homenagem a um dos principais meios de geração de renda dessa população ribeirinha, a caça e revenda de Aratu, uma espécie comum de caranguejo da região.

Teias de criação

Parceria com cooperativas também foi uma estratégia adotada por João Pimenta na apresentação da coleção feminina. Se alguns tecidos imprimiam ideia de couro, o que João usou foi somente algodão orgânico em 100% das peças. O tecido grosso e brilhoso que surgiu em vestido estruturado e bodys decotados é, na verdade, produzido dentro da Floresta Amazônica, passando 15 dias ao relento para aplicação de látex extraído da árvore. Boa parte das peças também foi produzida em assentamentos com valorização do algodão, produto natural do qual o Brasil (e o Ceará) são os maiores produtores do mundo.

Legenda: "Couro vegano" de João Pimenta
Foto: Agência Fotosite

Não somente nomes consagrados apostam em carregar histórias nas teias de cada criação. Aluf, marca de Ana Luisa Fernandes dentro do Projeto Estufa, optou por usar apenas materiais biodegradáveis, naturais ou reciclados, como algodões reciclados mesclados a pet reciclada, algodão com seda feita manualmente no sul do Brasil e pigmentos naturais para tingimento. Já a Beira, escolheu o "despigmento". Os tecidos de estoque da marca foram "descarregados" de tingimento em lavanderia para, depois, serem borradas com café e tingimentos naturais.

Legenda: Tingimento com café da Beira
Foto: Agência Fotosite

Detalhes curiosos não necessariamente precisam estar ligados ao natural. O brilho e o luxo também carregam histórias. Como é o caso do glamouroso Lino Villaventura, paraense radicado no Ceará, que exibiu as nervuras clássicas de seu trabalho aliadas a bordados, mix de texturas e com confecção de boa parte da roupa à mão. Todo esse apreço estético e com valorização da produção manual fez, como sempre, um passeio pela própria trajetória do estilista.

Para PatBo, de Patricia Bonaldi, os bordados manuais também são parte da identidade da marca e, dessa vez, costuraram araras em canutilhos para exibir uma estética de brasilidade tropical. Em parceira com estudantes da Faap selecionados em concurso, ela ainda mostrou um body com a parte de cima construída com fios de plástico reciclado.

Explícito

Houve igualmente quem preferisse deixar explícita a matéria-prima e parte do processo de produção, o caso de Patricia Vieira. A carioca levou o time de artesãs para bordarem ao vivo enquanto as modelos exibiam o resultado em vestidos de couro e muito dourado (foto da capa). Ronaldo Fraga também investiu em levar direto para a performance na passarela as questões urgentes e atuais que permearam suas criações nessa edição. Para o estilista mineiro, as pessoas na sala de jantar da SPFW estavam ocupadas em sobreviver. Mas isso é assunto para a próxima página.

Legenda: Patricia Vieira levou as artesãs para a passarela
Foto: Agência Fotosite