Peça teatral com atores cegos estreia hoje; conheça o grupo de Teatro Olho Mágico
Grupo Olho Mágico reúne 17 pessoas com deficiência visual como protagonistas do espetáculo "Vila Paradiso", em temporada de hoje (22) a sábado (24), no Auditório do Instituto dos Cegos
Era uma vez a história de um rapaz que, com mais de 30 anos, nunca tinha ido ao teatro. Seu negócio era trabalhar como consultor técnico de serviço automativo e praticar artes marciais, tais como muay thai e jiu-jítsu. Até que aos 31, o desenvolvimento de um glaucoma que já tinha desde os 17, fez com que ele perdesse a visão. A partir dali, o mundo virou de cabeça para baixo. Ele teve de lidar com pessoas que eram muito próximas se afastando; precisou deixar a profissão, e até mudar um pouco a relação com o tatame. É que, durante o tratamento, Paulo Eduardo Paes, conheceria um novo chão: o palco.
Quando foi procurado pelo médico Marcos de Queiroz Ferreira para participar de um grupo teatral formado apenas por pessoas com deficiência visual, ele recusou de primeira. Achou que não se enquadrava no perfil e admitiu ter até um certo preconceito.
Foi preciso uma certa insistência para que ele mudasse de ideia e encarasse o novo desafio sem as amarras que o prendiam ao passado. Depois de aceita, a proposta o convenceu de que estava diante da oportunidade de começar uma nova vida.
"Eu me encontrei, porque não vi só a questão da arte cênica, mas a questão da desenvoltura, da comunicação com as pessoas, de me relacionar melhor, de socializar. Com a cegueira, minha socialização foi quase a zero. O teatro me salvou, me emergiu de novo pra vida, eu tava submerso", admitiu Paulo numa manhã de sexta-feira, enquanto ensaiava com os 17 novos amigos para a apresentação de um espetáculo no auditório do Instituto dos Cegos.
"Vila Paradiso" é o nome do trabalho que ele e os colegas, dirigidos por Marcos, junto a Nádia Fabrici e Lucas Duarte, apresentam de hoje (22) a sábado. Essa é a primeira temporada do grupo de Teatro Olho Mágico, criado em janeiro de 2018, com apoio do Instituto Vida Cidadã (IVC), presidido pelo empresário Tadeu Oliveira.
"Os primeiros meses foram dirigidos à formação de atores e criando estratégias específicas para o ator com deficiência visual. Vila Paradiso é um mix de esquetes cômicas e dramática e dois monólogos que é compartilhado por todo o grupo, os quais têm uma abordagem pedagógica do fazer teatro", contextualiza Marcos, que além de médico, é mágico, licenciado em Teatro pela Universidade Federal do Ceará (UFC), e desde 2017 tem realizado experiências nesse sentido no Instituto dos Cegos.
Espetáculo
Antes dessa primeira temporada, o grupo já havia participado de pelo menos cinco eventos sociais nos últimos meses. Era uma espécie de ensaio público do que viria agora em novembro. Entre os temas trabalhados em "Vila Paradiso" estão situações do cotidiano de um vilarejo com uma abordagem cômica e dramática.
"Há diversas performances que utilizam recursos da coreografia, do canto, nos deslocamentos em cena utilizando o piso tátil e dando uma função estética no olhar do ator com deficiência visual", destaca Marcos Queiroz.
Nádia Fabrici complementa, explicando que, no espetáculo, há esquetes de Chico Buarque, Samuel Beckett, Luís Fernando Veríssimo. "São várias histórias que se entrecruzam numa mesma vila. A gente tem três ambientes: cabaré, praça e casa, nesse vilarejo onde nunca nada muda", conta.
Marcos procura reforçar que "as pessoas com alguma deficiência não são seres humanos deficientes". Segundo ele, os que perdem a visão ao longo da vida precisam de apoio, meios de aprendizagem para adaptarem-se à nova situação e um olhar da sociedade, sobretudo dos gestores em executar as políticas públicas. "Esse é o nosso papel enquanto sociedade civil. O retorno que recebemos é o exemplo de superação, pois a vida continua e a nossa missão aqui se faz por novos caminhos", diz.
Exemplos
Assim como Paulo Eduardo, cuja primeira experiência profissional com teatro se deu após a cegueira, Adriana Santiago Loiola, que há quatro anos trabalhava como promotora de vendas, reencontrou-se no palco depois da baixa visão. É que no começo ela nem queria admitir a deficiência. Chorava todo dia e se recusava a ir ao Instituto dos Cegos. Acreditava que estava passando por algo temporário, mas que logo voltaria a enxergar. Isso não acontecendo, foi levada à força pela irmã ao lugar em que redescobriria os sentidos da vida.
"Eu cresci dentro do teatro. O grupo me incentivou mais a não ficar com aquela depressão, aquela coisa ruim. Me ajudou bastante. Aqui a gente faz de tudo um pouco... A gente é chata, alegre, animada, meio rebelde", diz, enquanto muda a voz e as expressões conforme descreve os sentimentos, tal como uma atriz que não cansa de interpretar novos papéis.
Aos 70 anos, Rita Tomé de Azevedo, compartilha com os colegas a sensação de que as artes cênicas têm algo de terapêutico. "Foi a melhor coisa da minha vida ter encontrado o teatro. Faz muito bem, preenche a mente da gente, trabalha a mente da gente. Eu cheguei com uma depressão muito grande, sabe? Por sinal eu tomo remédio controlado. Só que hoje, graças a Deus, por conta disso aqui, eu não tenho mais necessidade de tomar. Uma vez na vida eu tô com uma preocupação. Mas isso aqui é outra vida. E não ver o público não interfere em nada, viu?", garante.
A jornalista aposentada Ana Ximenes, que já trabalhou inclusive no Sistema Verdes Mares, passando pela Rádio e pelo Jornal Diário do Nordeste, comemora com a colega de profissão que por aqui escreve a possibilidade de reinventar-se a cada dia. "O teatro foi um diferencial na nossa vida, um marco, um carro-chefe que nos conduziu para novos sonhos, fantasias. É muito prazeroso estar aqui. Eu sou desbravadora, sou sobrevivente", conclui, convidando todos a partilhar com o grupo essas novas experiências com finais felizes.
Serviço:
Estreia do espetáculo "Vila Paradiso"
Em cartaz dias 22/11 (9h30); 23/11 (15h); e 24/11 (19h e 20h30)
Local: Auditório do Instituto dos Cegos (Av. Bezerra de Menezes, 892, bairro São Gerardo, Fortaleza)
Ingressos: R$ 10,00 (vendidos antecipadamente na coordenação da Escola do Instituto dos Cegos ou na entrada do teatro)