Restrições e impostos para cigarros têm que aumentar, defende especialista

O objetivo é voltar a reduzir o índice de fumantes, hábito que hoje atinge 10,1% da população brasileira

Escrito por Folhapress ,

Responsável por organizar as discussões entre 181 países que fazem parte de um tratado internacional de controle do tabagismo, a médica brasileira Vera Luiza da Costa e Silva defende que o Brasil retome o debate sobre o aumento de impostos de cigarros e eleve as restrições a fumar em espaços públicos, como parques e praias. O objetivo é voltar a reduzir o índice de fumantes, hábito que hoje atinge 10,1% da população brasileira, e chegar a 5%, índice que seria "perto de se tornar um país livre do fumo", diz."É preciso agora que o país entre em uma nova fase, que é proibir fumar dentro de carros, em praias, em parques públicos, que é o que vários países já estão fazendo. E aumentar a proteção da criança, como ao colocar os maços em prateleiras fechadas nos pontos de venda", disse.

Há quatro anos, Silva ocupa o cargo de chefe do secretariado-executivo da Convenção-Quadro de Controle do Tabaco, primeiro tratado em saúde pública da história da Organização Mundial de Saúde, em vigor desde 2005. Neste período, têm visto mudanças. Segundo ela, em meio à queda no consumo de cigarros, a indústria tem tentado criar um "novo mercado" com produtos como dispositivos de tabaco aquecido e cigarros eletrônicos. Mas há riscos, diz. Um deles, avalia, é "renormalizar o uso da nicotina como algo socialmente desejável e aceitável" em meio ao discurso de que tais produtos são menos danosos, algo que ainda não têm evidências suficientes. Outro é atrair jovens a esses produtos. Para ela, o anúncio de que empresas como a Philip Morris vão parar de fabricar cigarros convencionais para apostar em novos produtos é enganoso. "As indústrias anunciam isso em países desenvolvidos, mas o marketing continua crescente em países em desenvolvimento."

Pergunta - Como podemos avaliar a posição do Brasil hoje no controle do tabagismo em relação a outros países?
Vera Luiza da Costa e Silva - O Brasil tem caminhado bem, especialmente considerando que é grande produtor e exportador. Teve queda drástica no consumo com uma política de controle de tabagismo de ponta e ganhou ação no STF [Supremo Tribunal Federal] para proibir os aditivos. E o que observamos, ao contrário do que a indústria sempre disse, é que a redução no consumo não afetou em absolutamente nada o trabalho dos plantadores de fumo nem a indústria fumageira, porque a maior parte da produção é exportada. Além disso, o Brasil também desponta como um país que proíbe publicidade e patrocínio da indústria e que tem uma agência reguladora, o que nem todos têm.
Por outro lado, estamos atrasados nos maços genéricos. Há um projeto de lei no Senado que não avança devido à interferência da indústria do tabaco e da bancada do fumo no Congresso. A política de impostos e preços foi estabelecida, mas está precisando reacender para continuar com impostos progressivos. O Brasil também precisa implementar a proibição dos aditivos que, apesar de ter passado no Supremo, não está sendo aplicada por conta das disjunções da indústria.

O país vinha tendo queda forte na taxa de fumantes, mas o índice estagnou nos últimos dois anos. Por outro lado, há sinais de avanço no consumo entre jovens. Como vê esses dados?
Há uma estagnação, mas a tendência geral ainda é de queda. Se pensar que começou com 34,8% [de fumantes em 1989, segundo o IBGE] e agora estamos em torno de 10%, é uma redução impressionante. A lei antifumo "pegou" e a população é a primeira a não deixar que se fume em lugares fechados. E apesar de ainda haver muito espaço para aumentar o preço de cigarro no Brasil, esse aumento nos últimos anos já foi responsável por uma redução do consumo.
Agora, a verdade é, quando se tem 35% de fumantes, trazer para 10% talvez seja menos difícil do que baixar para menos. Esses 10% de fumantes estão em populações específicas, geralmente de baixo nível socioeconômico. São grupos de fumantes altamente dependentes, ou na zona rural, onde há mais dificuldade de chegar e informar. Isso aponta a necessidade de ter trabalhos para essa população específica, porque vai ficar cada vez mais difícil baixar essa taxa. Tem uma série de medidas que o Brasil ainda pode tomar para o que chamam "jogada final", que é chegar a 5% da população.

Seria um percentual que vai continuar a existir?
É como estar quase perto de erradicar o fumo como fator de risco. Países que vão avançando nos 5% de prevalência e que começaram em níveis muito mais altos são países chegando no xeque-mate, virando a curva para se tornar um país livre de tabaco. Por isso é difícil chegar nos 5%.
É preciso agora que o Brasil entre em nova fase, que é proibir fumar dentro de carros, em praias, em parques públicos, que é o que vários países já estão fazendo. E aumentar a proteção da criança, como colocar os maços em prateleiras fechadas nos pontos de venda, não misturadas com chicletes, nem balas nem chocolates. Outras medidas são adotar maços genéricos, aumentar impostos e preços, trabalhar no combate ao contrabando e proibir os [aditivos de] sabores de fato.

A indústria tem citado a estagnação na taxa de fumantes para defender novos produtos como alternativa de redução de danos. Como avalia essa proposta?
A indústria está tentando criar um novo mercado, porque sabe que a médio e longo prazo o atual tende a ir encolhendo. E claramente os dados mostram que estamos reduzindo o consumo. Com isso, a indústria vai trazer novos produtos ao mercado, e eles têm que ser testados e avaliados cientificamente. É preciso avaliar se realmente trazem os benefícios que a indústria propaga ou se têm efeitos indesejáveis, como estimular a iniciação entre jovens e servir de porta de entrada para o vício.
Hoje há países que são menores e com controle muito maior sobre a demanda e a oferta que estão testando os produtos no mercado, como um grande ensaio clínico. É o caso do Reino Unido. Ao mesmo tempo, há países na mesma linha da Commonwealth que proíbem e taxam esses produtos como veneno. Você vê que mesmo os países desenvolvidos não sabem qual medida tomar.

A última conferência do tratado discutiu esse tema em reuniões fechadas com os países. Houve decisão?
A última COP [conferência entre os 181 países, realizada neste mês] adotou decisão para que regular ou proibir produtos de tabaco aquecido continue como proposta aos governos, além de não vir a público falando que esses produtos são mais saudáveis sem que exista comprovação para isso. Orienta também não fazer propaganda e marketing desses produtos para adolescentes.
Esses produtos podem simplesmente atrair pela tecnologia. E vão atrair um mercado que depois provavelmente não vai se sustentar, porque pessoas de nível social mais baixo podem não ter como manter os gastos, e aí voltam para o cigarro tradicional. Outro problema dessas novas drogas é renormalizar o uso da nicotina como uma coisa socialmente desejável e aceitável. É um problema seríssimo do ponto de vista de saúde pública e de controle do tabagismo.

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